Famílias acusam escolas de falta de apoio a crianças com diabetes

6 de Maio 2023

Pais de meninos com diabetes queixam-se da falta de apoio das escolas e vivem uma luta que sentem perdida quando os ouvem dizer “odeio esta doença” ou “preferia morrer a ter diabetes”.

Isabel vive no interior, numa aldeia perto da Covilhã, Amélie junto ao mar, na zona de Bombarral. Não se conhecem, mas ambas vivenciaram experiências traumáticas nas escolas, que não souberam lidar com a doença dos seus filhos e mostraram pouca vontade de aprender.

Sofia tinha 4 anos quando lhe foi diagnosticada Diabetes Tipo 1. “Nesse dia, a enfermeira disse-nos: ‘Isto agora é um luto’”, recordou Amélie Roger, que na altura achou a palavra exagerada.

“Quando olhamos para trás, vemos que realmente tivemos de fazer o luto de toda uma infância normalizada, mais feliz e sem preocupações”, contou à Lusa esta mãe, a quem a filha “diz muitas vezes que gostava de ser como os outros, que odeia ter diabetes”.

Além do choque do diagnóstico e das novas rotinas, as respostas das três escolas por onde a menina já passou deixaram os pais ainda mais assustados.

“Quando dizia que a Sofia tinha diabetes respondiam-me: ‘Ai, eu isso não faço. Ai, não sou capaz. A Câmara tem de fazer alguma coisa. Não tenho obrigação de fazer isso’. Nós sabemos que são educadoras, não são enfermeiras, mas se fossem avisadas atempadamente se calhar tudo seria diferente”, explicou.

Foi Amélie quem deu formação no jardim-de-infância para que a menina pudesse ter ajuda, mas quando chegou ao 1.º ano disseram-lhe que a formação tinha de ser dada por um profissional de saúde, que só apareceu passados três meses.

Resultado: Entre setembro e novembro, Amélie saía do trabalho todos os dias para ir fazer os tratamentos da filha.

Os piores dias eram quando Sofia tinha Educação Física. A mãe ficava de vigia junto à escola até a aula terminar, com receio de que algo acontecesse e fosse preciso atuar rapidamente.

A situação mudou depois da formação dada pela enfermeira. “Havia imensa gente na formação, mas só uma pessoa aceitou tratá-la: O Sr. Ricardo”, que aprendeu a usar a máquina de medir a glicemia, a dar a injeção de insulina e a contar os hidratos de carbono de tudo o que a menina comia.

“Chegaram-me a dizer na escola que o Sr. Ricardo não tinha nada que fazer aquele trabalho, mas o que é que eu ia fazer? Deixar de trabalhar?”, questionou.

Foi a opção de Isabel Mendes. Mateus tinha sete anos quando lhe foi diagnosticada a doença. A equipa médica do Hospital da Covilhã foi à escola explicar os procedimentos, mas “ninguém estava disponível para o fazer”, recordou a mãe à Lusa.

Isabel percebeu a justificação da professora, que estava doente e não se sentia capaz, mas ainda não aceita a indiferença dos restantes funcionários.

Durante seis meses, fazia todos os dias dez viagens entre a sua casa e a escola para garantir o acompanhamento do filho, mas não conseguiu evitar que Mateus se sentisse diferente.

“Acredito que não fosse por mal, mas, na hora de tomar a insulina, diziam-lhe para se virar para a parede para os outros meninos não verem a seringa; quando havia bolos de aniversário diziam-lhe que não era para ele. São coisas simples, mas que o faziam sentir-se diferente”, lamentou a mãe.

O copo de água transbordou quando a escola organizou uma visita de estudo a Lisboa e o coordenador recusou que Isabel fosse na camioneta, por considerar que era pouco pedagógico. O menino não foi à viagem e nesse dia disse à mãe: “Preferia morrer a ter diabetes”.

Mateus começou a ser seguido por uma psicóloga. A família foi aconselhada a tirar o menino da escola, o que acabou por acontecer. Mudou de escola e a sua vida também mudou. Passou a ter mais apoio e atenção, mas as mazelas já lá estavam e, passados cinco anos, continua a ser acompanhado por uma pedopsiquiatra.

A presidente da Federação Portuguesa das Associações de Pessoas com Diabetes (FPAPD) disse à Lusa que muitos adolescentes têm consultas de psicologia após traumas de infância.

Apesar de os pais sentirem que a escola errou, há muito poucas denúncias, acrescentou a presidente da FPAPD. “O objetivo destes pais não é apresentarem queixas, é apenas serem ajudados. Até porque muitos temem que possa haver represálias para as crianças”, explicou Emiliana Querido.

Das mães com quem a Lusa falou, apenas Isabel tornou público o seu caso, mas não lhe chama queixa: “Fiz uma exposição ao Ministério da Educação em que o meu único pedido era que mais nenhuma mãe tivesse que passar pelo mesmo que eu passei”.

Todos os anos, a FPAPD recebe cerca de uma dezena de pedidos de ajuda no início do ano letivo e são quase sempre problemas no pré-escolar ou no 1.º ciclo, quando as crianças são menos autónomas.

A Lusa contactou o Ministério da Educação para saber quantas queixas recebeu nos últimos anos e qual o desfecho dos processos, mas não obteve qualquer resposta até ao momento.

Emiliana Querido acredita que os casos que chegam à federação são uma ínfima parte do que se passa, mas também reconhece o excelente trabalho de muitas escolas.

Entre as histórias de sucesso está de Alda, que nunca esqueceu o dia em que descobriu que o filho tinha diabetes.

O menino tinha 13 anos e o ano letivo estava a começar. Ficaram pouco mais de uma semana no hospital, o tempo para os pais aprenderem a lidar com a doença. “Quando avisei na escola que o Gonçalo era diabético, o diretor de turma chamou-nos e quis saber tudo. Depois deu formação aos restantes professores e funcionários”, contou a mãe do rapaz, agora com 23 anos.

“Nunca houve nenhum problema e sempre nos sentimos muito apoiados”, recordou Alda, reconhecendo o empenho das equipas da Escola Eugénio Santos, em Lisboa.

Emiliana Querido dá também o exemplo do Colégio Externato Imaculada Conceição, na Maia.

Quando o João chegou à turma de Rosa Ferreira, a professora primária fazia todos os procedimentos necessários, mas gradualmente foi ensinando o menino a ser independente.

“Quando havia algum problema dizia: Meninos, temos de parar a aula porque o João precisa de ajuda. Todos compreendiam. Eram quatro ou cinco minutos e retomávamos. Há muitos outros motivos durante o dia que nos fazem parar a aula”, contou a docente, explicando que o João podia fazer coisas que os outros alunos não podiam, mas todos percebiam e aceitavam.

O João está agora no 5.º ano, numa escola pública e, segundo Rosa Ferreira, que vai acompanhando à distância o que se passa, “está tudo a correr lindamente”: “Isto não é uma questão de ser um colégio ou uma escola pública. O importante são as pessoas que encontramos pela frente, como em tudo na vida”.

LUSA/HN

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