Ivo Reis (a.) e Bruno Moreno (b.) a. USF Coimbra Celas; b. USF Coimbra Sul, ACeS Baixo Mondego

4 Estratégias Transformadoras para a Qualidade dos Cuidados de Saúde na MGF: Rumo à Excelência!

05/17/2023

Para a Organização Mundial de Saúde, a melhoria da qualidade dos cuidados pode ser definida pelo aumento da probabilidade de se obterem os resultados esperados nos serviços de saúde prestados às populações. Será impossível obter melhores resultados, consequentemente melhorando a qualidade dos cuidados de saúde, sem que existam constantes intervenções no sistema. Estas intervenções, no âmbito da melhoria da qualidade, devem alicerçar-se em evidência robusta que garanta que do esforço investido na modificação de comportamentos sejam esperados ganhos em saúde.

Durante o internato de Medicina Geral e Familiar, os internos procuram ativamente a realização de trabalhos científicos, mesmo que seja apenas pela valorização na prova curricular. Apesar de estarem incluídos no mesmo eixo de avaliação (eixo III, com uma valorização de 30 pontos em 200 totais), existem diferentes tipologias e metodologias, por exemplo, quando se compara a realização de um trabalho de melhoria da qualidade e de um trabalho de investigação. No primeiro, a intenção é mudar práticas instituídas, por forma a prestar melhores cuidados de saúde, enquanto, no segundo, a intenção é a produção de conhecimento para mudar práticas instituídas ou validá-las.

Numa perspetiva de ajudar na implementação de projetos de melhoria de qualidade na MGF, os autores resumiram 4 ideias que podem ser colocadas em prática sem a necessidade de uma intervenção estrutural ou financeira:

1ª Ideia: Promover a utilização das guidelines SQUIRE para reportar as intervenções instituídas nas unidades e avaliação das comunicações.

As guidelines SQUIRE propõem que a intervenção responda a algumas perguntas (Porquê foi feita a intervenção? O que foi feito? O que foi encontrado? O que significa?), por forma a organizar e permitir a partilha de informação. Estas guidelines realçam a necessidade de balizar as intervenções em evidência robusta, evitando o julgamento de que se um indicador está disponível, é contratualizado ou é uma recomendação da DGS, signifique ser, só por si, alicerçado em evidência robusta e que justifique uma intervenção, ou que o seu não cumprimento seja considerado um problema. Devem ser utilizados meios para evidenciar que as alterações são devidas à intervenção e não são devidas ao acaso, utilizando para esse fim a estatística inferencial e discutindo as diferenças dos resultados obtidos quer na sua significância estatística quer clínica, não devendo uma existir sem a outra. Os projetos de intervenção devem ser alicerçados em intervenções cujos esforços permitam às equipas atuarem de forma sustentável e mantida no tempo, construindo o caminho da melhoria contínua da qualidade.

2ª Ideia: Trabalhar o propósito dos trabalhos de qualidade e o seu enquadramento no percurso formativo de um médico de família.

Em 1989, Donald M. Berwick escreveu no The New England Journal of Medicine um artigo intitulado “Continuous Improvement as an Ideal in Health Care”, no qual constatou que há uma necessidade de encarar a investigação em qualidade como um propósito de melhoria contínua em contraponto a uma investigação que sirva para encontrar e excluir “a maçã podre do cesto”. É com este propósito em mente que as intervenções devem ser desenhadas e ir para além da apresentação dos resultados em reuniões de trabalho e consequentes lembretes do não cumprimento dos indicadores propostos.

Assim, é importante trabalhar o propósito dos trabalhos de qualidade e o seu enquadramento no percurso formativo de um médico de família, destacando a importância da qualidade dos cuidados prestados aos doentes e da melhoria contínua. É necessário que os trabalhos de qualidade sejam vistos como uma forma de aprendizagem e desenvolvimento, permitindo aos médicos de família adquirir competências na identificação de problemas e na implementação de soluções eficazes. Desta forma, os trabalhos de qualidade não devem ser vistos como uma tarefa burocrática, mas sim como uma oportunidade para os médicos de família desenvolverem a sua prática clínica e melhorarem a qualidade dos cuidados de saúde que prestam.

3ª Ideia: Partilhar em reuniões das USF/UCSP intervenções efetuadas noutras unidades de saúde que levaram a mudanças comportamentais organizacionais e foram alvo de publicação em revistas com revisão por pares.

Em Portugal, a organização em equipas multiprofissionais como as USF e as UCSP cria uma oportunidade única de construção de uma rede de partilha dentro da rede de prestação de serviços que é o SNS. Estas organizações só são aprendentes ou geradoras de conhecimento se forem alimentadas pelos seus constituintes. Através da partilha de investigação científica publicada, podemos, entre muitas outras formas, alimentar esta rede e enriquecer as comunidades de prática clínica onde trabalhamos. Por exemplo, partilhar artigos como o publicado em 2017 na revista Canadian Medical Association Journal Open com o título “Implementation of an intervention to reduce population-based screening for vitamin D deficiency: a cross-sectional” onde verificamos que uma intervenção estrutural, a implementação de uma checklist de verificação, num problema concreto, o aumento dos doseamentos da vitamina D, levou a uma redução de 90% nos pedidos desta análise.

4ª ideia: Revitalizar o internato, aproveitando a aproximação da sua estrutura às unidades de prestação de cuidados, com as Comunidades de Prática Formativa.

O internato de MGF tem uma estrutura única alicerçada nas comunidades de prática clínica, as USF e UCSP, organizadas em Comunidades de Prática Formativa. A mudança de paradigma da última revisão do programa de internato, que entrou em vigor em 2019 e terminou com os estágios hospitalares, não pode ficar apenas por uma experiência estética para melhor organização do calendário das agora chamadas formações. O papel da Coordenação do Internato, constituída pelo Coordenador de Internato e pelos Diretores de Internato, deve ser mais ativo na promoção de uma estrutura que possibilite a procura por formação por parte do corpo de Orientadores de Formação e Internos de Formação Específica. Aqui parece-nos que deve ser procurado junto da Academia um protocolo e disponibilização de planos formativos com vista a treinar e adquirir competências na investigação na área da qualidade.

Em conclusão, é crucial reconhecer a importância da melhoria contínua da qualidade nos cuidados de saúde prestados na Medicina Geral e Familiar. Neste sentido, os autores apresentam quatro estratégias para impulsionar a qualidade dos cuidados de saúde na MGF em direção à excelência.

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