Helga Rafael Henriques, Professora Coordenadora do Departamento de Fundamentos de Enfermagem da ESEL

Saúde digital e enfermagem

05/20/2023

A digitalização na área da saúde tem assumido uma importância crescente em todo o mundo nos últimos anos. A pandemia pela COVID-19 veio contribuir para uma maior impregnação do digital na prática de cuidados de saúde, evidenciando a vantagens do digital na superação de barreiras geográficas, na redução dos custos e no melhoramento do acesso a cuidados de saúde.

Registam-se várias iniciativas globais e regionais para promover implementação estratégica e a adoção generalizada do digital, tal como o Plano de ação para a saúde em linha, 2012-2020 da Comissão Europeia e a Global strategy on digital health 2020-2025 da Organização Mundial da Saúde (OMS). Este último entende a saúde digital como o campo de conhecimento e prática associado ao desenvolvimento e utilização de tecnologias digitais para melhorar a saúde. Esta definição engloba e expande o conceito eHealth, para incluir os consumidores digitais. A utilização das tecnologias digitais na saúde inclui uma gama ampla de dispositivos inteligentes e conectados, como Internet of things, a computação avançada, big data analyses, inteligência artificial e robótica.

Assim, a transformação digital no setor da saúde é uma matéria que deve acompanhar a evolução ontológica e epistemológica da enfermagem, enquanto disciplina e profissão. Importa aqui considerar o digital não apenas do ponto de vista da evolução e disponibilidade do conhecimento tecnológico e científico, mas também do ponto de vista da transformação das sociedades em termos de hábitos de utilização das tecnologias de informação no quotidiano e da crescente mudança em termos de literacia digital. Apesar do panorama geral nos Estados-Membros da União Europeia ser heterogéneo em termos de impregnação do digital, pois existem ainda grandes disparidades entre os países da União Europeia, assistimos a um progressivo aumento da utilização do digital pelo cidadão comum e empresas. É, portanto, premente considerar as tendências que apontam para cidadãos que progressivamente procuram ou são atraídos por soluções de serviços de saúde com componente digital incorporada.

Desta forma, a transformação digital no setor da saúde, em particular no campo da enfermagem, coloca um conjunto de desafios aos enfermeiros, com o aumento da necessidade de melhorar competências para gerir o digital no campo da gestão, do ensino, da prestação de cuidados e da investigação.

Ao nível da gestão, a informática surge como uma área emergente. Com o avanço das tecnologias da informação, e a sua crescente aplicação na área da saúde, os líderes em enfermagem com competências no campo da informática são essenciais para garantir a implementação adequada e eficiente de projetos com recurso à tecnologia. Estes, para além de deterem um profundo conhecimento em enfermagem, precisam de reunir habilidades em gestão de equipas multidisciplinares, gestão de projetos, comunicação, tomada de decisão e inovação.

Também neste campo – do digital – o processo de gestão da informação e análise de dados ganha uma maior dimensão no campo de atuação do enfermeiro gestor, pela definição de resultados de prestação de cuidados de eficiência e segurança, e pela necessidade de garantir a proteção de informações de saúde dos doentes.

A capacitação profissional para o desenvolvimento de competências digitais é um outro aspeto que merce a nossa reflexão. A transformação digital traz mudanças no modo como os cuidados são prestados, na dinâmica das relações humanas, na forma como a resposta em saúde é disponibilizada. Estas mudanças têm implicações importantes na formação dos enfermeiros. Torna-se, por isso, fundamental que se entenda a capacitação dos enfermeiros para a saúde digital como um processo formativo contínuo, que acompanha a evolução tecnológica a par do desenvolvimento profissional. A imersão destes conteúdos nos planos de estudos deve, por isso, ser evidente logo na formação pré-graduada dos enfermeiros e estender-se ao longo da sua formação avançada e contínua.

Ao nível da prestação de cuidados, torna-se premente que o enfermeiro seja conhecedor e esteja familiarizado com as tecnologias disponíveis, como os sistemas de registo eletrónico de saúde, a telemedicina, os aplicativos móveis, os sensores e outros sistemas de informação existentes.

A inclusão destes dispositivos nos cuidados de enfermagem levanta vários tópicos de reflexão no que diz respeito ao aprofundamento dos princípios e pressupostos do cuidado tecnológico em enfermagem: Como reconfigurar a relação profissional enfermeiro-doente ou enfermeiro-equipa? Quais os componentes de uma comunicação efetiva? Quais as práticas a implementar para assegurar o respeito pela privacidade e confidencialidade dos dados? Como utilizar a tecnologia como um recurso de proximidade e de rigor ao invés de um obstáculo à humanização dos cuidados?

As relações que se vão reconfigurando assumem cada vez mais contornos em que o remoto fica incluído, obrigam a repensar o conceito de proximidade nos cuidados e a novas formas de comunicação efetiva. Sendo esta uma parte importante da prestação de cuidados, os enfermeiros devem estar capacitados para comunicar eficazmente, através de plataformas digitais, não descurando nem substituindo a componente presencial sempre que esta é necessária. Esta nova visão do cuidado põe em enfoque a responsabilidade do enfermeiro como educador, desafiando-o a construir canais fidedignos de comunicação em saúde.

Por fim, importa salientar a investigação em enfermagem sobre intervenções de base digital e a utilização secundária de dados de saúde gerados a partir dos sistemas de informação. Os enfermeiros podem ser envolvidos nas diferentes etapas da investigação de base digital, garantindo que as intervenções desenhadas são centradas no doente e efetivas para melhorar a sua saúde e o bem-estar.

O investimento a que assistimos na digitalização no campo da saúde desafia a enfermagem ao desenvolvimento dentro da profissão, e simultaneamente a um permanente diálogo com outras áreas disciplinares. Evidencia-se, portanto, a necessidade do trabalho em rede que coloque no centro o doente e as suas necessidades e reforce as práticas de gestão, formação, a investigação e a implementação de ciência ao nível da prestação de cuidados de enfermagem.

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