Inês Rodrigues: “Os doentes com AEH acabam por não ser pessoas ‘normais'”

06/01/2023
Inês Rodrigues é doente de Angioedema numa família onde existem mais de 30 pessoas com a doença. Apesar de ter sido "obrigada" a crescer com a doença, a jovem de 26 anos conta que nem sempre é fácil fazer vida "normal", uma vez que os episódios de crise são sempre uma "incógnita".

Sobre o impacto da doença, Inês admite que “muitas vezes” vê-se impedida de trabalhar e de ir a eventos sociais.

HealthNews (HN)- Como foi viver com os sinais e sintomas de AEH durante a infância e a adolescência?

Inês Rodrigues (IR)- Eu fui diagnosticada quando tinha apenas dois anos, portanto foi desde muito cedo que apresentei os primeiros sinais e sintomas da doença. É claro que foi muito difícil para mim viver com o diagnóstico, sobretudo na adolescência. Foi uma altura em que tive muitas crises e internada várias vezes.

Aos 18 anos tive o primeiro edema facial. A doença privou-me muitas vezes de ir à escola e cheguei a ser muito gozada devido ao inchaço na cara, nos lábios, nas mãos… Acabamos por ficar um pouco desfigurados.

HN- Portanto teve uma adolescência complicada por causa da doença…

IR- Foi uma altura bastante revoltante para mim. Eu na altura estava a ser seguida no Hospital Santa Maria e tive que ser encaminhada para um psicólogo para me ajudasse a lidar melhor com a doença.

HN- Consegue descrever algum episódio de crise que tenha sido marcante para si?

IR- A pior fase da doença foi dos meus 8 aos 16 anos. Eu era internada quase todos os meses com crise de edema facial. Mas relativamente ao momento mais marcante, penso que foi aos meus 16 anos. Lembro-me que tinha uma festa de aniversário muito importante e não consegui ir porque estava com um edema da face. Tive que ficar internada… Foi, sem dúvida, um dos episódios de crise mais marcantes para mim.

HN- Foi “obrigada” a crescer com a doença. Qual o impacto das crises, mesmo que ligeiras, no seu dia-a-dia? 

IR- Depende muito do tipo de crise. Se tiver com dores de barriga, ou seja, a nível de edema da parte interior, não consigo mesmo fazer nada. Sou obrigada a ficar de cama e a adiar todos os planos que tiver naquelas 72 horas (o tempo que a leva para a crise começar a diminuir).

HN- E quando os edemas são visíveis?

IR- Se for um edema facial o impacto é exatamente igual. Fico sem poder fazer nada. No caso de ter inchaço nas mãos e nos pés, consigo fazer a minha vida a cinquenta por cento.

HN-O que significa viver a 50%? O que deixa de fazer, ou o que tem de adaptar na sua vida nessas situações?

IR- Significa que não consigo fazer a minha vida normalmente. Se tiver edema nas mãos tenho que parar de trabalhar, uma vez que não consigo exercer a minha atividade laboral. Quando é edema nos pés fico impossibilitada de poder andar e não consigo sequer calçar-me.

HN- Com que frequência tem estas crises?

IR- No último ano, as crises têm sido de três em três meses. Mas já tive alturas da minha vida em que todos os meses tinha uma crise.

HN- A nível laboral, como lida com a doença?

IR- É sempre uma incógnita. Neste momento estou a trabalhar com atendimento ao público e, portanto, se tiver algum tipo de crise sou obrigada a ter de me ausentar do trabalho. O tipo de trabalho que tenho não me permite “esconder” e fico muito exposta. No fundo, a doença acaba por privar a minha vida laboral.

HN- Admitiu que a doença sempre teve um forte impacto a nível psicológico. O que poderia ser diferente na sua vida se não tivesse AEH?

IR- A minha vida seria totalmente diferente… Se não tivesse a doença provavelmente não teria que viver preocupada. Enquanto uma pessoa normal consegue extrair um dente do siso sem problema, eu tenho que ser vigiada durante oito horas no hospital de dia. Portanto, os doentes com AEH acabamos por não ser pessoas “normais”. Vivemos sempre preocupados com a possibilidade de virmos a ter uma crise. A doença acaba, no fundo, por nos privar de muitas coisas no dia-a-dia.

HN- O que deixou de fazer por ter medo de ter uma crise?

IR- Não me lembro nunca de ter deixado de fazer alguma coisa por medo de ter uma crise. Deixei, sim, por causa de uma crise… Já tive que deixar de ir a eventos e de fazer uma viagem.

HN- Quais as suas principais necessidades não satisfeitas?

IR- No que toca à parte clínica e ao tratamento penso que tenho as minhas necessidades todas satisfeitas. Sou seguida na alergologia do Hospital Santa Maria e tenho acesso à medicação que preciso. Comecei a fazer medicação de toma diária porque as crises começaram a ser mais frequentes.

De qualquer forma, acho que vamos ter um novo medicamento que não nos afeta tanto às mulheres. O medicamento que temos atualmente no mercado cria muita divergência no nosso corpo, acabando por criar muitos pelos onde normalmente as mulheres não temos.

HN- Mencionou que não tem uma vida normal devido à sua doença. O que seria para si ter uma vida “normal”, mesmo tendo AEH?

IR- Acho que seria não sofrer por antecipação e viver sob a dúvida se vou ou não acordar com uma crise da doença. Muitas vezes não consigo prever o episódio. Acontece-me frequentemente acordar com o rosto ou as mãos inchadas, sendo que no dia anterior, quando me deitei, estava ótima.

HN- Olhando para o seu futuro a 10-15 anos, o que é que mais receia em relação ao impacto desta doença? E consegue fazer este exercício pensando nas crises mais leves (mãos, pés)?

IR- O meu maior receio é que os meus filhos tenham a mesma doença que eu. Não desejo de todo.

HN- Tendo em conta isto, se pudesse pedir um desejo para além da cura do AEH, o que seria?

IR- Uma medicação que estagnasse por completo a doença e que fosse capaz de prevenir os sintomas quase a 100%.

 

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