Para responder à questão colocada pela Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar – o que pensam os portugueses –, Isabel Saraiva, presidente da Associação Respira e membro da direção da Plataforma Saúde em Diálogo, dividiu a sociedade em dois grupos: pessoas sem doença, “para quem a covid é uma imagem distante”, e os doentes crónicos, pessoas que continuam muito atentas às questões relacionadas com os vírus” e “às questões relacionadas com a prevenção”. “Não vale a pena dizermos que isto já passou. Para alguns não passou”, frisou. Na sua opinião, uma vez que a maioria já abandonou as medidas de proteção, como o distanciamento social e as máscaras, “era importante que o Ministério da Saúde definisse uma política pública de proteção deste tipo de doentes”, os doentes de risco.
Em Portugal, existem cerca de meio milhão de analfabetos, e somos dos países mais envelhecidos do mundo, recordou Isabel Saraiva. “Na área da saúde tem-se feito um esforço grande (…) para pôr um foco na literacia da saúde.” “Eu bem sei que tem sido feito um esforço (…) para simplificar, para tornar mais próximo, mais entendível para um leigo as informações relativas aos medicamentos, e também sei que não é fácil compatibilizar o conhecimento científico com a linguagem comum, mas, francamente, transformar folhetos informativos em pequenos livrinhos que acompanham os medicamentos… Quer dizer, eu não acredito que não seja possível emagrecer um bocadinho essa informação, sem prejuízo de os doentes se sentirem amparados, nomeadamente disponibilizando online ou noutras formas mais informação”, acrescentou Isabel Saraiva.
Esta quarta-feira, o webinar “A Covid-19 num Novo Tempo: O que pensam os portugueses”, organizado pela APDH, em colaboração com a FDC Consulting e com o apoio da Gilead, também contou com a participação do diretor do Serviço de Infeciologia do Hospital Curry Cabral, Fernando Maltez.
Segundo o médico, “podemos dizer que hoje estamos numa posição (…) estabilizada”. Porém, “não estão disponíveis com acuidade e com regularidade dados relativamente à situação em Portugal. Estamos a atravessar um período, também provavelmente fruto de toda esta conturbada vida na saúde, em que os dados não nos são fornecidos atempadamente, nem com alguma precisão. Mas, grosso modo, e tendo em conta que há muita subnotificação e (…) há muita falta de testagem, aquilo que nos é relatado é que andará à volta de 100 casos, 120 casos por dia, 9, 10 mortes por dia – portanto, números estabilizados para aquilo que eram os números há uns meses atrás. Portanto, a situação está estabilizada, mas não está resolvida. Continuam a ocorrer casos, vai continuar a haver casos (…) e continua a haver problemas por resolver no que diz respeito à terapêutica, no que diz respeito à prevenção e no que diz respeito à clínica, e eu aqui encaixava, obviamente, como aspeto mais importante, aquela covid longa que há pouca foi aqui mencionada [por Isabel Saraiva], que está ainda por resolver, cujos contornos estão ainda por perceber e para os quais não temos ainda resposta”, disse Fernando Maltez.
Fernando Maltez não duvida da eficácia das vacinas e apelou fortemente à imunização: a vacina é segura e eficaz, afirmou. Por outro lado, “se nós queremos amanhã ter a pandemia completamente resolvida, precisávamos de vacinas que eliminassem essa transmissão e de antivíricos que fossem curativos”. Isto porque as vacinas que temos atualmente reduzem significativamente o número de infeções graves, de hospitalizações, mas não conseguem travar a transmissão. “Eu não me lembro de ver, há muito tempo, campanhas robustas e consistentes sobre vacinação”, referiu Isabel Saraiva. Estas são “muito limitadas no tempo e no espaço”, lamentou a presidente da Respira.
O Grupo GFK desenvolveu um questionário que alcançou 1000 inquiridos nos três primeiros anos da pandemia em Portugal. Capta, portanto, a realidade de 2020, 2021 e 2022. Sofia Caetano, da Gilead Sciences (associate director, medical affairs), partilhou no webinar alguns dos resultados. Dos portugueses inquiridos, 96% acreditam que estaremos perante novas pandemias no futuro; 61% achavam que a pandemia ainda não tinha terminado, e os demais 39 já pensavam que a Covid-19 era mais uma doença transmissível, por exemplo como a gripe sazonal; 71% reconheciam que iriam manter os seus hábitos de proteção individual; 89% estavam satisfeitos com o desempenho das instituições de saúde, da academia, das empresas no setor da saúde, durante o período pandémico; 95% tinham sido vacinados e 76% tinham cumprido todo o plano de vacinação; e 42% reconheceram ter sequelas do foro psicológico-psiquiátrico, ainda que 80% não tenham procurado ajuda.
Ana Escoval comentou: “Não, isto não é igual a outra doença. Isto é efetivamente diferente. Continua a matar.” Temos todos de trabalhar no sentido de aumentar a literacia, temos de comunicar e chegar às pessoas “porque 39% da população é muita gente”. Sofia Caetano respondeu que gostava que esses 39%, “que podem efetivamente não ser assim tão positivos”, se agora assumissem que a covid-19 é hoje como uma doença transmissível como a gripe, “valorizassem a gripe, (…) que se valorizasse a mortalidade e morbilidade associada à infeção viral aguda respiratória”.
“As vacinas estão entre as inovações e entre os desenvolvimentos que mais contribuíram para uma redução da morbilidade e da mortalidade por doenças infecciosas ao longo dos últimos séculos, e que mais contribuíram para ganhos significativos na esperança de vida”, reforçou o médico do Curry Cabral.
E prosseguiu: “Seguramente que vamos ter mais pandemias (…). Eu penso que não estamos preparados para elas”, até porque é imprevisível perceber qual vai ser a característica do próximo agente infeccioso que vai emergir. “Na preparação na generalidade, deveríamos estar mais bem preparados, (…) acho que ainda não aprendemos com as lições desta pandemia, não aprendemos com as lições de 2009 da influenza A H1N1, não aprendemos com outras ameaças que tivemos aí que felizmente não degeneraram em pandemia, e tornámos a não aprender com esta. Estamos avisados, estamos à espera que ela apareça, mas continuo a achar que não estamos devidamente preparados”, alertou Fernando Maltez.
“Como todos sabemos, o pior que nos pode acontecer é vivermos com medo (…). Era muito bom que nós conseguíssemos contribuir para aumentar a literacia dos cidadãos em geral e conseguíssemos, simultaneamente, tranquilizar mais as pessoas (…). Eu estou confiante que a ciência nos continuará a ajudar, estou confiante nos profissionais, estou confiante no sistema, que, efetivamente, respondeu anteriormente; mas partilho com as pessoas também preocupações, e (…) são as preocupações adensadas pelo momento atual que estamos a vivenciar”, disse a administradora hospitalar, Ana Escoval, que concluiu que é preciso aumentar a literacia, apostar na prevenção e sermos capazes de trabalhar todos em conjunto.
Esta pandemia lembra uma vez mais a importância de termos planos para a proteção da saúde global, sublinhou Fernando Maltez.
O webinar foi moderado por Marina Caldas, diretora-geral da FDC Consulting.
HN/RA
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