No 4 º Congresso da Clínica Girassol, o Professor Doutor António Vaz Carneiro, Diretor do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina de Lisboa, proferiu uma palestra brilhante e cativante sobre o potencial transformador da inteligência artificial (IA) na medicina. Com um toque de humor, o Professor começou por abordar a área das doenças raras, destacando o desafio que representa para os médicos identificá-las corretamente, com um tempo médio de diagnóstico entre 18 e 20 anos. É neste contexto que a IA surge como uma ferramenta promissora.
O Professor Vaz Carneiro salientou que estudos observacionais demonstram uma preferência dos especialistas médicos pelas respostas fornecidas por softwares de IA em comparação com as respostas dos seus colegas, quando apresentadas de forma anónima. Curiosamente, os pacientes também parecem favorecer a interação com máquinas em determinados contextos, como consultas psiquiátricas, por considerarem as máquinas mais empáticas.
Um exemplo concreto do potencial da IA foi mencionado pelo docente, referindo um estudo sobre o uso desta tecnologia para rastreio de fibrilhação auricular, um fator de risco para acidentes vasculares cerebrais (AVC). O software demonstrou uma elevada precisão na identificação de pacientes de alto risco, revelando-se uma ferramenta promissora para a prevenção.
Além disso, revisões sistemáticas indicam que a utilização da IA pode melhorar significativamente a deteção e classificação de nódulos pulmonares solitários por parte dos radiologistas, com potencial para revolucionar esta área da medicina.
O Professor Doutor António Vaz Carneiro enfatizou a complexidade do processo de diagnóstico clínico, que envolve aspetos cognitivos, como a interpretação das queixas e o conhecimento sobre a doença, bem como aspetos físicos, como a realização de exames. Elementos como o raciocínio baseado em evidências, a compreensão de enviesamentos cognitivos, os fatores humanos e a medicina centrada no paciente são fundamentais neste processo.
O docente alertou ainda para a relação direta entre os erros de diagnóstico e a segurança do paciente e qualidade do atendimento, sendo uma área que requer maior atenção e estudo. Um estudo comparativo entre o chatbot ChatGPT e médicos internos e especialistas em medicina interna foi mencionado pelo Professor, revelando que, de forma consistente, o algoritmo apresentou um desempenho superior em termos de precisão diagnóstica e qualidade das respostas em casos clínicos complexos.
Apesar dos avanços promissores da IA na medicina, o Professor Doutor António Vaz Carneiro salientou a importância de uma abordagem de psicologia cognitiva no processo de diagnóstico clínico. Alertou para os erros que podem ocorrer devido à complexidade da profissão médica, como falhas na estimativa de probabilidades de doenças perante sinais e sintomas, subvalorização de probabilidades elevadas e sobrevalorização de probabilidades baixas, entre outros vieses cognitivos.
Numa nota mais preocupante, o Professor afirmou que, se as suas previsões estiverem corretas, a profissão médica poderá desaparecer no futuro, sendo substituída por tecnologias avançadas, nomeadamente de IA. Mencionou o exemplo de um hospital criado pela empresa Unity, onde programas de IA são treinados para substituir profissionais de saúde num ambiente simulado, com uma taxa de aprovação em exames de conhecimento superior à dos médicos americanos.
O Professor Vaz Carneiro apelou à organização dos profissionais de saúde para refletirem sobre estas mudanças e alertou para a necessidade de uma maior regulação das empresas tecnológicas, de modo a evitar a criação de sistemas autónomos que não sejam compatíveis com os valores e práticas da medicina atual.
Em suma, a palestra do Professor Doutor António Vaz Carneiro no 4º Congresso da Clínica Girassol destacou o potencial transformador da IA na medicina, com avanços significativos em áreas como o diagnóstico de doenças raras, a radiologia e a segurança do paciente. No entanto, também alertou para os desafios e riscos associados a estas tecnologias, enfatizando a necessidade de reflexão e regulação adequadas para garantir que a IA seja integrada na medicina de forma ética e compatível com os valores e práticas atuais.
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