Sérgio Bruno dos Santos Sousa
Mestre em Saúde Pública
Enfermeiro Especialista de Enfermagem Comunitária e de Saúde Pública na ULSM
Gestor Local do Programa de Saúde Escolar na ULSM

Resposta a Henrique Raposo: Valorizar Médicos e Enfermeiros é Fortalecer o SNS

01/10/2025

O artigo de opinião de Henrique Raposo “Recuso ser visto por um médico que só quer fazer 150 horas extraordinárias” trouxe à tona um conjunto de preconceitos e desinformações que precisam ser devidamente esclarecidos, particularmente no que diz respeito às profissões de Medicina e Enfermagem, e ao papel fundamental que Médicos e Enfermeiros desempenham no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Em primeiro lugar, a afirmação de que um médico que apenas cumpre as suas horas de trabalho não é mais do que “um enfermeiro com mais galões no ombro” é profundamente desrespeitosa, não apenas para com os Enfermeiros, mas também para com os próprios Médicos. Esta comparação depreciativa reflete uma visão hierárquica e antiquada das profissões de saúde, ignorando a importância crítica do trabalho conjunto e colaborativo entre Médicos e Enfermeiros. Reduzir qualquer uma das profissões a um estereótipo revela um desconhecimento da realidade nos serviços de saúde.

Os Médicos desempenham um papel central no sistema de saúde, com responsabilidade pelo diagnóstico e prescrição de tratamentos. Esta função exige uma formação académica e prática extensa, que inclui anos de estudo e especialização em áreas como Medicina Geral e Familiar, Pediatria, Cardiologia, entre outras, permitindo uma abordagem personalizada e baseada nas melhores práticas clínicas.

Por outro lado, os Enfermeiros, atualmente com um percurso formativo igualmente exigente e de duração semelhante, são profissionais altamente qualificados. Após a licenciatura, muitos Enfermeiros prosseguem para especializações em áreas como Saúde Comunitária ou Saúde Pública,  Saúde Materna e Obstetrícia, Pediatria, entre outras, reforçando a sua competência na gestão de cuidados e no acompanhamento contínuo dos doentes. Os Médicos e Enfermeiros, juntamente com outros técnicos de saúde, desempenham funções complementares e imprescindíveis para assegurar um sistema de saúde eficiente e de qualidade. A sua colaboração assegura que cada doente é acompanhado de forma integrada e personalizada, promovendo o bem-estar e a saúde da população.

Valorizar o trabalho de Médicos e Enfermeiros é essencial para melhorar a capacidade de resposta do SNS. A ideia de que os Enfermeiros são “mini Médicos” ou que os Médicos são profissionais que só trabalham além do horário é uma simplificação perigosa. Ambas as profissões têm autonomia técnica e científica e cumprem funções distintas e indispensáveis para o funcionamento eficaz do sistema de saúde. A complementaridade das suas funções permite uma abordagem integral do cuidado, onde o paciente é visto como um todo, abrangendo as dimensões física, emocional, social e até espiritual.

Um estudo divulgado recentemente revela que cerca de 30% dos enfermeiros  relataram sintomas de depressão grave em 2024 (link), o que reforça a necessidade urgente de apoiar estes profissionais. Da mesma forma, os Médicos também enfrentam desafios relacionados com o esgotamento e a sobrecarga de trabalho, exigindo medidas para promover o seu bem-estar e a sua saúde mental. Trabalhar em saúde exige não apenas competências técnicas, mas também um grande desgaste emocional, especialmente em contextos onde a falta de recursos humanos e a sobrecarga de trabalho são uma constante.

Portanto, ao afirmar que os médicos e enfermeiros têm papéis equivalentes e que a sobrecarga de trabalho se resume a uma questão de quantidade de horas, Henrique Raposo não só simplifica uma realidade complexa, como desrespeita as profissões que são a espinha dorsal do SNS. O que é necessário para a melhoria do SNS é uma valorização verdadeira e justa de todos os profissionais de saúde, em que cada um, com as suas competências e responsabilidades específicas, seja reconhecido e respeitado.

Para que o SNS continue a ser um pilar fundamental da nossa sociedade, devemos promover um ambiente de colaboração e respeito mútuo entre todas as profissões de saúde. A dignidade dos profissionais de saúde deve ser preservada, pois, sem ela, não podemos esperar um sistema que sirva verdadeiramente todos os cidadãos, com cuidados de saúde acessíveis, humanos e de qualidade.

Conclui-o este artigo reportando-me ao Código do Trabalho (Lei nº 7/2009) que reforça a necessidade de um equilíbrio saudável entre a vida profissional e pessoal dos trabalhadores, incluindo os da área da saúde. A legislação prevê que o trabalho extraordinário deve ser excecional e remunerado adequadamente, sendo que a pressão para acumular horas extras, como indicado no artigo de opinião de Henrique Raposo, pode prejudicar o bem-estar dos profissionais e aumentar a sua vulnerabilidade a doenças relacionadas com o trabalho, como o esgotamento e a depressão.

Portanto, o argumento de que os profissionais de saúde devem trabalhar muitas horas extraordinárias precisa ser analisado à luz da legislação portuguesa, que defende a proteção da saúde ocupacional e o bem-estar dos trabalhadores. A pressão para cumprir jornadas excessivas e além do horário estabelecido é incompatível com as normas legais que visam garantir condições de trabalho saudáveis e prevenir o desgaste físico e emocional dos profissionais. A solução não está em forçar mais horas de trabalho, mas sim em melhorar a gestão dos recursos humanos no SNS, garantindo a sua valorização e o respeito pelas suas condições de trabalho.

 

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