Luís Coelho Fisioterapeuta e escritor

O método Pilates e as raquialgias: da ilusão à evidência

01/17/2025

Por moda, capricho ou estratégia, comercial e/ou de afirmação profissional, o método Pilates tem vindo a submeter a Fisioterapia, bem como o mercado do exercício físico, mobilizando-nos da ilusão da intervenção meramente manual para a ilusão que se consigna na venda de uma metodologia que se pretende única e modelar. Veremos que nada justifica que a Fisioterapia, e que o Fitness, se faça representar por este modelo.

Vamos ater-nos à temática da raquialgia, porque é esta que mobiliza melhor questões metodológicas e epistemológicas que abarcam todo o campo das “terapias”. Uma visita superficial à literatura fornece-nos diversas revisões sistemáticas unânimes em concluir que o Pilates não é superior a outras formas de exercício 1-11 ou fisioterapia 9, 12, 13 no trato da raquialgia, sobretudo no longo prazo 1, 4, 5. Wells et al. 4 referem que o Pilates possui ganhos semelhantes ao da massagem. É, aliás, o fator “exercício” que parece extrapolar-se do Pilates, com benefícios, sobretudo, mais uma vez, no longo prazo; na revisão de Chou et al. 14, os autores referem que, apesar da importância do exercício, no curto prazo, a única terapia com boa evidência é o calor superficial. Outros autores comparam os efeitos do exercício com a terapia manual 15.

Segundo Wells et al. 16, é a variável “postura” que parece estar mais presente nas investigações que cruzam o Pilates com a “dor lombar”, e é também ela que nos convida mais à crença e ao dogma. Falha, ainda, grandemente, a literatura em compreender o papel da “postura” na lombalgia, se é que esta relação não a coloca como consequência da dor. Os velhos mitos, como a eficácia da natação e do reforço abdominal superficial, não parecem, já, interessar à investigação (e a (des)evidência em causa é manifesta), Mesmo o trabalho de “core” padece da mesma evidência do Pilates, e somente algumas revisões o dispõem acima doutras formas de exercício 17-19, no tratamento da lombalgia (mas, mais uma vez, apenas no curto prazo).

A variável “postura” poderá ter alguma importância ao nível da idiossincrasia, mas é possível que a mesma seja apagada em estudos estatísticos, que, para mais, a investigam de um modo fragmentado. É no plano do equilíbrio postural que a individualidade a coloca na relação com os fatores locais, bem como com a força. É a traição desse equilíbrio (i)racional que recruta a necessidade de mobilizar as abordagens mais localizadas. Mas estas são, igualmente, a consequência (e causa) de um placebo, o qual é recrutado, também, no plano da atividade de grupo. Ora, acontece, precisamente, que os estudos em questão, bem como grande parte dos estudos relacionados com raquialgias, não incluem o “grupo placebo”; por sua vez, os diferentes grupos em análise possuem um isomorfismo que dificulta a mensuração de quaisquer variáveis, pelo que, assim como assim, soçobra o conjunto, e é justamente esse “todo”, “placebo” incluído, que poderá ajudar a equilibrar um Sistema. O Pilates, por excelência, envolve um “conjunto” difícil de escalpelizar, as médias grupalizam as qualidades, e isso ajuda a criar estudos que dizem e desdizem consecutivamente, à vontade da heterogeneidade das amostras, como das abordagens. Ao que parece, o menor mal passa por enquadrar um equilíbrio postura – movimento – Pilates, que, partindo da individualidade, se comunica ao grupo na segurança e parcimónia. O efeito de uma moda, ou de uma coerção, poderá ser o de realimentar constantemente a desarmonia. E esta normaliza novel equilíbrio mais desvantajoso, com maior índice de “distress” psicofísico.

Há, então, que totalizar as vertentes clínicas, evitando, o mais possível fazer sobressair uma abordagem modal, que convida ao excesso, e este produz outro em catadupa, concebendo, quiçá, diversas posturas, distintas compensações, outras necessidades de abordagens locais e outros obrigatórios placebos. Neste contexto, não existe prescrição única e grupalizável, nem atividade física que possa assegurar-se como salvífica, a consciência postural é essencialmente clínica e ela deveria ser assegurada, apenas, por quem tem a necessária sensibilidade clínica. E isto estende-se à condição das raquialgias inespecíficas, para a qual convergem muitos fatores de risco cuja interação não é fácil de compreender.

Entretanto, bem vemos que, em Fisioterapia, tudo permanece por fazer, na medida em que o trabalho metodológico tem sido impróprio, insuficiente e, também ele, placebetário, o que não significa que a Fisioterapia se deva conceder à Psicoterapia, antes pelo contrário, a Fisioterapia concedida ao Pilates parece servir de perfeita panaceia, convém que os pacientes somatizem e ajudem a Fisioterapia a tanger a requerida ilusão; doutro modo, estaríamos a perpetrar o caminho de regresso à medicina prescritiva e anti-sintomática, onde, de resto, o placebo é demonizado. No outro extremo, teríamos, acaso, a perigosíssima consciencialização; quando o corpo deixa de servir de “tampão”, resta à Sociedade sofrer com (a) higienização dos costumes.

Referências bibliográficas

  1. Lim E, Poh Ri, Low Ai, Wong W. Effects of Pilates-based exercises on pain and disability in individuals with persistent nonspecific low back pain: A systematic review with meta-analysis. J Orthop Sports Phys Ther. 2011;41(2):70-80. doi: https://www.jospt.org/doi/10.2519/jospt.2011.3393
  2. Pereira L, Obara K, Dias J, Menacho M, Guariglia D, Schiavoni D, Pereira H, Cardoso J. Comparing the Pilates method with no exercise or lumbar stabilization for pain and functionality in patients with chronic low back pain: systematic review and meta-analysis. Clin Rehabil. 2012;26(1):10-20. doi: 10.1177/0269215511411113.
  3. Miyamoto G, Costa L, Cabral C. Efficacy of the Pilates method for pain and disability in patients with chronic nonspecific low back pain: a systematic review with meta-analysis. Braz J Phys Ther. 2013;17(6):517-32. doi: 10.1590/S1413-35552012005000127.
  4. Wells C, Kolt G, Marshall P, Hill B, Bialocerkowki A. The effectiveness of Pilates exercise in people with chronic low back pain: a systematic review. PLoS One. 2014;1;9(7):e100402.doi: 10.1371/journal.pone.0100402.eCollection 2014.
  5. Patti A, Bianco A, Paoli A, Messina G, Montalto M, Bellafiore M, Battaglia G, Iovane A, Palma A. Effects of Pilates exercise programs in people with chronic low back pain: a systematic review. Medicine (Baltimore). 2015;94(4):e383. doi: 10.1097/MD.0000000000000383.
  6. Yamato T, Maher C, Saragiotto B, Hancock M, Ostelo R, Cabral C, Costa L, Costa L. Pilates for low back pain: Complete republication of a cochrane review. Spine (Phila Pa 1976). 2016;41(12):1013-1021. doi: 10.1097/BRS.0000000000001398.
  7. Lin HT, Hung WC, Hung JL, Wu PS, Liaw LJ, Chang JH. Effects of pilates on patients with chronic non-specific low back pain: a systematic review. J Phys Ther Sci. 2016;28(10):2961-2969. doi: 10.1589/jpts.28.2961.
  8. Joyce A, Kotler D. Core Training in Low Back Disorders: Role of the Pilates method. Curr Sports Med Rep. 2017;16(3):156-161. doi: 10.1249/JSR.0000000000000365.

1 Comment

  1. jose marcelino

    Não me parece que o artigo clarifique positiva ou negativamente o que parece pretender. A fisioterapia é sujeita a “modas” ou melhor influências, que quando estimulam o intelecto e questionam a eficácia, tem sem dúvida valor. Pilates tornou-se conhecido após a primeira guerra. O método foi sobretudo popular com bailarinos e ginastas. Mas hoje, é que eu saiba só em Portugal, fala-se em Pilates clínico! Não existe – foi talvez uma criação para que seja aceite mais facilmente. Esta “moda” será como a mini saia ou os hotpants da Mary Quant 🤣ou seja passa!😵‍💫

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