Todas as manhãs eram assim: acordava, tomava banho, apertava os botões da camisa e os cordões dos sapatos, bebia a sua cevada, ajudava a fechar as mochilas e conduzia os netos até à escola. Até que um dia, a manhã foi diferente: sem que nada o fizesse prever, acordou, mas não se levantou, nem falou. Nas horas que se seguiram, a azáfama alternou entre a maca dos bombeiros, a maca do Serviço de Urgência e a sala de angiografia e terminou deitado numa cama da unidade de Acidente Vascular Cerebral (AVC). Felizmente melhorado, continuava sem se poder levantar. Quis perguntar quando ia ter alta dali, só que as palavras não lhe saíam. A esposa que, entretanto, chegara aflita fez a pergunta por ele. Encheram-se-lhe os olhos de lágrimas e deixou-se descansar.
Súbitas e frequentemente imprevisíveis, as doenças cerebrovasculares mantêm-se como a principal causa de mortalidade e morbilidade em Portugal. Com o conhecimento de que milhões de neurónios são perdidos a cada minuto de isquemia, foram estabelecidos protocolos de via verde de AVC para vencer esta corrida contra o tempo. É certo que o desenvolvimento e o alargamento dos tratamentos de reperfusão aguda vieram amenizar este problema, mas não o resolveram, quer por não serem indicados para todos os doentes nem para todas as patologias (nomeadamente as hemorrágicas), quer por não serem isentos de complicações. O internamento em unidade de AVC, por sua vez, é indicado para todos os doentes com AVC e eficaz na melhoria do seu prognóstico, constituindo-se como uma peça fundamental na abordagem dos mesmos. Com ou sem tratamento de reperfusão aguda, o objetivo da unidade de AVC é que o tempo não pare de contar, com um cuidado que é garantido por protocolos bem estabelecidos e executados por equipas multidisciplinares de profissionais qualificados e treinados nesta área.
E nesse dia foi mesmo assim, uma equipa da unidade de AVC dedicou-se a cuidar do doente. Dedicou-se a garantir o controlo de sinais vitais, a monitorização neurológica e a prevenção de complicações. Dedicou-se a explicar ao doente e à família o motivo dos beeps aborrecidos e das constantes fotografias ao cérebro. Concordou com estes que o tempo parecia ter abrandado, mas que, daí em diante, trabalhariam juntos para encontrar um novo ritmo, que iniciariam o processo de reabilitação.
Em virtude do Dia Nacional do Doente com AVC, importa recordar que todos temos um papel na prevenção primária. O controlo da hipertensão arterial, da dislipidemia e da diabetes mellitus, a cessação tabágica, a abstinência alcoólica, a prática de exercício físico regular e a utilização de uma dieta mediterrânica são as principais medidas a adotar pela população. Por outro lado, e mantendo a tónica que o tempo é cérebro mas nunca para de contar, quisemos alertar para a necessidade de monitorização rigorosa destes doentes para lá da hora da via verde de AVC. Para isso, reunimos os profissionais de saúde envolvidos nos cuidados de fase aguda nas 1ªas Jornadas da Unidade de AVC da ULS Braga, incluindo no programa os diferentes momentos de tratamento desde a admissão à reabilitação. Em boa verdade, as Jornadas não foram apenas um momento de partilha de informação, mas uma oportunidade para revermos métodos e experiências de trabalho, fortalecermos contatos intra e inter-hospitalares e procurarmos novas formas de fazer mais e melhor. Quisemos aprender com o passado, melhorar o presente e projetar o futuro da Unidade de AVC e dos nossos doentes.
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