O Health Re:Design Summit 2025, realizado hoje na Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, reuniu os principais decisores, gestores e especialistas do setor da saúde em Portugal para debater os desafios emergentes, com especial destaque para a intervenção de Adalberto Campos Fernandes, Ministro da Saúde do XXI Governo Constitucional e professor da ENSP NOVA. Num discurso marcado pela frontalidade e pragmatismo, o antigo governante traçou um retrato exigente do presente e futuro do Serviço Nacional de Saúde (SNS), sublinhando a necessidade de uma estratégia nacional robusta, capaz de responder ao envelhecimento da população, à inovação tecnológica e à crescente pressão financeira.
Numa sala repleta de estudantes, profissionais e líderes institucionais, Adalberto Campos Fernandes começou por recordar a responsabilidade pedagógica dos presentes, muitos deles futuros decisores e gestores do sistema de saúde. “Temos de ser pragmáticos e objetivos. O SNS enfrenta desafios que exigem mais do que conversas de café; precisamos de estratégia, visão e ação”, afirmou, dirigindo-se diretamente à audiência e aos seus pares.
O ex-ministro destacou três domínios essenciais para o debate sobre a sustentabilidade: o político, o económico e o social. Recordando a criação do Conselho Nacional de Saúde em 2017, iniciativa da sua tutela, sublinhou a importância de dotar este órgão de poderes reforçados e independência, à semelhança do Conselho Nacional de Educação. “Um Conselho Nacional de Saúde com poderes reforçados, que se pronuncie sobre o plano e o orçamento da saúde, seria um passo decisivo para garantir estabilidade e visão de longo prazo”, defendeu.
No plano político, Adalberto Campos Fernandes foi perentório ao afirmar que “em Portugal, só dois partidos têm governado desde 1974: o Partido Social Democrata e o Partido Socialista. Tudo o resto é fantasia”. Para o ex-ministro, a sustentabilidade das políticas de saúde não pode depender de forças políticas residuais, mas sim de consensos alargados entre os partidos que representam a maioria do eleitorado. “Precisamos de uma lei de bases da saúde feita ao centro, com critérios de financiamento estratégico plurianual, como sucede na defesa nacional”, sublinhou.
O tema do financiamento foi central na sua intervenção. Com base em dados recentes da Direção-Geral do Orçamento, alertou para a trajetória preocupante da despesa pública em saúde, que, segundo frisou, “está em roda livre”. “Portugal não corrigiu a trajetória de financiamento da saúde após a pandemia. A despesa aumentou de 9 mil milhões para quase 20 mil milhões de euros em menos de uma década, sem que os resultados acompanhem este crescimento”, alertou, apelando a uma gestão mais rigorosa e transparente dos recursos.
O antigo ministro criticou ainda a “junção mecânica” de hospitais e centros de saúde nas Unidades Locais de Saúde (ULS), referindo que esta medida, embora com virtudes, não trouxe o acréscimo de resposta esperado face ao aumento da despesa. “A solução das ULS acrescentou 20% à despesa, mas não 20% à resposta. É preciso avaliar estas reformas com base em evidência e não apenas por conveniência política”, afirmou.
Adalberto Campos Fernandes defendeu igualmente a necessidade de reconfigurar o sistema de saúde português, apostando numa maior integração entre a dimensão universitária e os sistemas locais de saúde, à semelhança do que já acontece noutros países europeus. “Portugal é o único país da Europa onde os centros clínicos universitários não existem como entidades próprias. É urgente criar esta dimensão, fundamental para a inovação e a formação de profissionais”, sugeriu.
No que diz respeito à inovação e à relação com a indústria farmacêutica e de dispositivos médicos, o orador foi claro ao defender um diálogo construtivo e estratégico, que permita ao Estado negociar em nome dos contribuintes e garantir o acesso a novas terapêuticas sem comprometer a sustentabilidade financeira do SNS. “O Estado tem de retomar um diálogo assertivo com a indústria, como acontecia até 2015, para garantir acesso à inovação sem descontrolo orçamental”, referiu.
A intervenção de Adalberto Campos Fernandes terminou com um apelo à ação e à responsabilidade coletiva: “Não podemos ficar parados à espera que o SNS colida com o iceberg. Decisão e ação são essenciais para garantir a sustentabilidade do sistema e o acesso de todos os portugueses a cuidados de saúde de qualidade”.
O Health Re:Design Summit, uma iniciativa da Associação de Estudantes da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, destacou-se assim como uma plataforma de reflexão e debate sobre o futuro da saúde em Portugal, reunindo representantes de instituições públicas, privadas e da sociedade civil, num momento de particular exigência para o setor. Ao longo do dia, foram abordados temas como políticas de saúde, inovação, liderança, transformação dos sistemas de saúde, literacia em saúde e envolvimento do doente, com a participação de especialistas nacionais e internacionais.
O evento incluiu ainda o Concurso Científico HRDS2025, destinado a premiar projetos inovadores nas áreas da saúde digital, sustentabilidade, políticas de saúde, tecnologia e literacia, promovendo a investigação e a participação ativa dos jovens profissionais e estudantes no desenho de soluções para os desafios do setor.
O Health Re:Design Summit 2025 reafirmou o papel central da academia e dos jovens na construção de um setor da saúde mais sustentável, inovador e centrado nas pessoas, deixando no ar o desafio lançado por Adalberto Campos Fernandes: “O futuro do SNS depende da nossa capacidade de decidir, agir e reformar com responsabilidade e visão”.
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