O auditório da Reitoria da Universidade Nova de Lisboa foi palco, esta terça-feira, de uma intervenção marcante de Vitor Ramos, Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), durante o Health Re:Design Summit. Perante uma plateia composta por profissionais de saúde, decisores políticos, académicos e estudantes, Vitor Ramos traçou um diagnóstico rigoroso do sistema de saúde português, destacando os avanços e bloqueios das políticas públicas, e apontou caminhos para o futuro, com especial ênfase no papel da saúde local e no renascimento dos centros de saúde enquanto alavancas essenciais para a transformação do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Logo no início da sua intervenção, Vitor Ramos reconheceu o trabalho desenvolvido pelo CNS em resposta ao desafio lançado pela Ministra da Saúde no final de 2024: construir um consenso nacional em torno de um pacto de médio e longo prazo para a saúde. “Temos vindo a analisar mais de trinta grandes documentos de consenso e reflexão das últimas duas décadas, desde o histórico ‘Saúde: um compromisso, uma estratégia para o virar do século’, de 1999, até projetos mais recentes, como o da Fundação Calouste Gulbenkian, que reuniu reputados especialistas nacionais e internacionais”, referiu.
Apesar da existência de múltiplos estudos e recomendações, Vitor Ramos identificou a fragmentação como um dos principais bloqueios à concretização das políticas públicas. “Há universos separados: o dos investigadores e produtores de conhecimento, o dos decisores com as suas próprias lógicas, e o dos profissionais que sustentam o sistema no terreno. Falta comunicação, compromisso e, sobretudo, conectividade entre estes mundos”, afirmou, sublinhando que “não basta produzir boas ideias; é preciso pô-las em prática e garantir que os diferentes atores do sistema dialogam e colaboram”.
O Presidente do CNS destacou ainda a necessidade de liderança conectiva, inspirando-se nos avanços do mundo digital, e lançou um repto às universidades e investigadores: “A universidade tem uma responsabilidade acrescida em promover esta conectividade, em articular saberes e práticas, e em ajudar a criar pontes entre os vários setores do sistema de saúde”.
Outro ponto central do discurso de Vitor Ramos foi a defesa da estabilidade das políticas de saúde e da responsabilidade coletiva. “A estabilidade é fundamental para que as políticas produzam efeitos. Todos temos de ser responsáveis e exigir responsabilidade, porque acredito que todos agimos com as melhores intenções, mas é preciso alinhar intenções com resultados concretos”, frisou.
A intervenção de Vitor Ramos ganhou especial ênfase ao abordar o conceito de saúde local. Inspirando-se na máxima “dê-me um ponto de apoio e levantarei o mundo”, o Presidente do CNS defendeu que “a saúde local pode ser esse ponto de alavancagem para transformar o sistema”. Recordou que a importância dos sistemas locais de saúde já constava nos documentos fundadores do SNS e que a última Lei de Bases da Saúde voltou a reforçar esta dimensão, mas lamentou a fragilização da saúde pública a nível local, exemplificando com a situação do Alentejo, onde atualmente existe apenas uma equipa de saúde pública para todo o distrito, quando outrora existiam catorze.
Para Vitor Ramos, o renascimento dos centros de saúde é crucial para devolver proximidade, articulação e capacidade de resposta ao SNS. “Portugal foi pioneiro na criação dos centros de saúde, lado a lado com a Finlândia, em 1971. No entanto, a evolução para agrupamentos de centros de saúde acabou por diluir o conceito original, confundindo-se hoje frequentemente as unidades de saúde familiar com os próprios centros de saúde”, explicou. “Está na altura de renascer o centro de saúde, não como solução única, mas como ponto de alavancagem para a inovação e para a ligação à comunidade”, propôs.
Ao longo da sua intervenção, Vitor Ramos insistiu na necessidade de valorizar as boas práticas que já existem a nível local e de criar mecanismos para a sua disseminação e replicação em todo o país. “O Conselho Nacional de Saúde está a tentar criar um repositório de boas práticas, porque sabemos que há experiências inovadoras e eficazes em várias regiões, que podem e devem ser partilhadas”, disse.
O Presidente do CNS concluiu com um apelo à ação e ao pragmatismo: “Não estamos no zero. Há trabalho feito, há conhecimento acumulado, há experiências a valorizar. O desafio é articular, comprometer, comunicar e conectar. Só assim conseguiremos revitalizar o SNS e garantir a saúde como direito de todos”.
A intervenção de Vitor Ramos no Health Re:Design Summit foi recebida com reconhecimento pelos participantes, que destacaram a lucidez do diagnóstico e a pertinência das propostas apresentadas. Num momento em que o sistema de saúde enfrenta desafios complexos, a aposta na saúde local, no renascimento dos centros de saúde e na conectividade entre todos os atores do sistema surge como uma estratégia mobilizadora para o futuro do SNS.
MMM
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