I . Introdução
O presente artigo aborda uma questão que surge com muita frequência e que ainda não tem respostas uniformes quer no setor público quer no setor privado e que de certa forma tem passado ao lado dos nossos tribunais.
Deparámo-nos, então, com a divergência acerca da duração das férias quando se trata do exercício profissional em regime de trabalho a tempo parcial vertical.
Constata-se que as empresas independentemente da sua natureza jurídica tendem a definir regras, sem o mínimo de concordância com o previsto na lei contribuindo para decisões que podem prejudicar o direito a férias.
A questão que ora se analisa – como se contabiliza o tempo do período de férias a que têm direito os trabalhadores a exercer a tempo parcial?
O presente texto é o resultado, atualizado, do regime de trabalho a tempo parcial e o regime de férias, em concreto a sua duração para o regime autónomo e especifico que é o regime de trabalho a tempo parcial.
II. Contrato de trabalho a tempo parcial
O contrato de trabalho a tempo parcial vulgarmente conhecido por trabalho part-time é aquele em que o trabalhador presta a sua atividade durante um número de horas inferior ao praticado a tempo completo em situação comparável, podendo ser definido em termos diários, semanais, mensais ou anual.
Esta modalidade de contrato de trabalho carateriza-se essencialmente pela duração e organização do tempo de trabalho. A duração é inferior ao período normal de trabalho a tempo completo, ou seja, é sempre inferior a 8 h/d ou 40 h/s e a organização do tempo de trabalho pode ser a carga horária de trabalho a dividir pelos cinco dias úteis ou x dias semanais, sendo que neste último, é acordado determinados dias de trabalho e não trabalho em cada módulo temporal (semanal, mensal ou anual).
Assim, segundo o critério da distribuição dos tempos de trabalho e não trabalho estes contratos são classificados como horizontais e verticais. Nos primeiros, a redução da duração do tempo de trabalho verifica-se em cada dia da semana, ou seja, o trabalhador presta menos horas diárias em comparação com o tempo completo. Nos segundos, são determinados os dias de trabalho e não trabalho em cada módulo temporal (semanal, mensal ou anual).
III. Duração do período de férias no regime de trabalho a tempo parcial
O direito a férias tem consagração constitucional1 e está regulado nos art. 237.º e ss do Código do Trabalho.
É um direito que se adquire com a celebração do contrato de trabalho e vence-se no primeiro dia de cada ano civil e não está condicionado ao dever de assiduidade ou efetividade de serviço.
Quanto à duração, a lei determina o número mínimo de dias úteis – 22 dias.2
O tema obriga a um olhar atento ao art. 238.º n.º 1, 2 e 3 do CT. Determina a lei o seguinte:
1 – O período anual de férias tem a duração mínima de 22 dias úteis.
2 – Para efeitos de férias, são úteis os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com exceção de feriados.
3 – Caso os dias de descanso do trabalhador coincidam com dias úteis, são considerados para efeitos do cálculo dos dias de férias, em substituição daqueles, os sábados e os domingos que não sejam feriados.
(…)”.
As exceções ao regime geral estão reguladas no Código do Trabalho sendo que uma delas tem a preocupação de evitar situações de favorecimento de trabalhadores com contratos de curta duração como é o caso do previsto no n.º 3 do art. 245.º do CT, utilizando-se a regra da proporcionalidade entre o direito a férias e a duração do contrato de trabalho.
Como se pode observar, nem sempre a duração de férias é de 22 dias úteis impondo-se interpretar o n.º 2 e 3 do art. 238.º. do citado diploma.
A par do acabado de expor acresce salientar o que diz o regime de trabalho a tempo parcial no concerne a manutenção ou não de direitos laborais. A lei estabelece que, os trabalhadores têm os mesmos direitos independentemente da modalidade do contrato de trabalho, ainda que, em alguns casos, se siga o princípio da proporcionalidade, como é o caso da retribuição, entre outros.
Aqui chegados, coloca-se a questão que nos importa, que é de saber qual a duração do período de férias de um trabalhador em regime de trabalho a tempo parcial, no ano subsequente ao ano da contratação.
Dá-se nota, que a lei laboral não regulou esta questão e que as dúvidas surgiram depois da publicação da L n.º 23/2012, de 25/06, que alterou a redação do n.º 3 do art. 238.º do CT, pois até então, a interpretação dada era a de que, os trabalhadores a tempo parcial na modalidade vertical tinham os mesmos dias de férias tal como todos os trabalhadores que prestasse sempre cinco dias de trabalho, (modalidade horizontal) independentemente dos dias efetivamente prestados.
A determinação dos dias de férias que um trabalhador tem direito em regime de trabalho a tempo parcial parte de duas premissas: i) o trabalhador a tempo parcial é titular dos mesmos direitos que não estejam condicionados à duração do trabalho;3 – o direito a férias, em regra, reporta-se ao trabalho prestado no ano civil anterior, mas não está condicionado à assiduidade ou efetividade de serviço; ii) proibição de favorecimento; iii) ausência de norma legal.
Em 2012, a lei veio a esclarecer que, «caso os dias de descanso do trabalhador coincidam com dias úteis, são considerados para efeitos do cálculo dos dias de férias, em substituição daqueles, os sábados e os domingos que não sejam feriados.»
O n.º 3 do art. 238.º acabou por dificultar a resposta nas situações em que o trabalhador não presta atividade nos cinco dias da semana ou seja, quando os dias de descanso do trabalhador coincidem com dias úteis. Nestes casos, se para o apuramento dos dias de férias, apenas fossem contabilizáveis os dias de prestação efetiva de trabalho o resultado seria desproporcional. Veja-se, o efeito prático desta interpretação: imagine-se que determinado trabalhador presta atividade em regime de trabalho a tempo parcial na modalidade vertical, três dias da semana. Neste caso em concreto, numa semana contabilizar-se-ia três dias úteis implicando que este trabalhador estivesse várias semanas ausente do local de trabalho. O período de ausência seria muito superior caso o trabalhador estivesse vinculado à prestação de trabalho, um dia por semana. Quer isto dizer que, o tempo trabalhado e o tempo de ausência ao serviço seriam inversamente proporcionais, já que, em regra, quem tem menos dias trabalhados /semana, mais tempo de ausência teria, o que no limite levaria a situações em que o trabalhador estaria mais tempo ausente do que a trabalhar.
Repare-se que está questão não se coloca para o regime de trabalho a tempo parcial horizontal, que como já foi oportuno salientar, o trabalhador presta atividade (menos horas quando comparado com o tempo completo) ao longo da semana (cinco dias úteis).
Como é fácil de perceber, a solução não está no n.º 3 do art. 238.º do CT mas sim no seu n.º 2. 4 ficcionando-se que o trabalhador não trabalha apenas ao sábado e domingo.
Assim, em termos práticos se o trabalhador prestar trabalho em apenas um dia da semana, e pretender gozar férias numa determinada semana, – o trabalhador despenderá de 5 dias para o cômputo dos 22 dias, apesar de só trabalhe um dia da semana. Já, no caso de trabalhar 3 dias por semana, e pretender gozar uma semana de férias, o trabalhador despenderá, tal como no exemplo anterior, de 5 dias para o cômputo de 22 dias, sabendo-se que só trabalha três dias da semana.
Esta interpretação surge como mais justa, e tem acolhimento numa decisão do Tribunal da Relação do Porto.
A jurisprudência sobre o tema é inexistente mas dá-se nota de que o Tribunal da Relação do Porto5 onde se discutiu a forma como se devem contar os dias úteis de férias sabendo-se que as trabalhadoras só tinham um dia de descanso semanal a coincidir ao fim de semana, acabou por equipar duas situações: as que tinham dias de descanso semanal, superior a 2 dias e as que tinham um dia de descanso semanal.
Do acórdão, face aos factos, a aplicação do n.º 3 do art. 238.º do CT estaria excluída desde logo porque, os sábados e domingos nunca poderia ser objeto de contabilização como dias úteis.
Por conseguinte, a solução está no n.º 2 do art. 238.º que, para efeitos de férias, considera dias úteis os dias da semana de segunda-feira a sexta-feira, com exceção de feriados.
A aplicação do n.º 2 do citado artigo tanto seria para aquelas situações em que apenas há um dia de folga, como para as situações em que exista mais de dois dias de folga semanal- 1 e 2 dias de trabalho por semana – trabalho a tempo parcial vertical.
Considerando a situação ali descrita em que, uma das trabalhadoras prestava atividade durante 6 dias com um dia de descanso semanal a coincidir com o domingo, a empregadora entendeu que a mesma teria direito a 18 dias de férias, isto é «quem tem duas folgas por semana, tem direito a 22 dias úteis de férias por ano e quem tem apenas um dia de folga por semana, in caso as Recorridas, deve apenas gozar 18 dias úteis de férias por ano» veio o Tribunal da Relação decidir em total desacordo com o empregador.
Para melhor perceber o que aqui está em jogo, dá-se o seguinte exemplo: no ano subsequente ao ano da contratação, A que apenas tem um dia de folga ao domingo pretende gozar dias de férias no mês de setembro de 2025. Com o cálculo efetuado pela empregadora, A iniciava férias a 1 de setembro de 2025 e terminava a 20/09/2025. Com o regime previsto no n.º 2 do art. 238.º do CT, A iniciava as férias a 01/09/2025 e terminava a 22/09/2025 (contabiliza-se os 5 dias úteis de 2.º a 6.º feira) – mais 4 dias de férias, em comparação do cálculo anterior.
O acórdão defende a decisão de primeira instância no sentido de que, «para efeitos de contagem dos dias de férias, tudo se passa como se o trabalhador tivesse sempre dois dias de descanso semanais mesmo que não os tenha (ou por ter menos, ou por ter mais). E acrescenta, «o legislador consagra no n.º 2 do artigo 238.º, a regra de que, para efeitos de férias, os dias úteis são cinco, é porque pretendeu que, em geral, independentemente da existência de um único dia de descanso semanal, que é a regra legal, as férias fossem contadas como se existissem dois dias de descanso semanal. (…)
Assim sendo, um trabalhador em regime de trabalho a tempo parcial com 20 horas semanais distribuídos por dois dias de 8 h mais um dia de 4 h) se pretender gozar uma determinada semana de férias, despenderá de 5 dias de férias para o computo dos 22 dias, e não apenas 3 dias, ainda que, só trabalhe 3 dias.
Em termos práticos os dias de férias podem ser calculados da seguinte forma:
TC = tempo completo = 40 h
TTP = tempo a tempo parcial = 20 h
40 h ——— 22 d/úteis de férias
20 h ——— x
x = 11 d/úteis de férias
O exposto anteriormente é aplicável aos trabalhadores da Administração Pública por remissão prevista no art. 68.º n.º 1 da Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP).
Conclusão:
Considerando, nos termos referidos:
– O regime de trabalho a tempo parcial vertical e o regime de férias.
– As premissas de análise da forma como se afere os dias de férias:
– Titularidade dos mesmos direitos que não estejam condicionados à duração do trabalho;
– Proibição de favorecimento;
– Ausência de norma legal
Impõe-se-nos, então, a conclusão de que o descanso semanal não tem qualquer interferência com o direito a férias, nomeadamente quanto à sua duração. Atentos ao disposto na lei, o período anual de férias não está dependente dos dias de descanso do trabalhador.
No regime de trabalho a tempo parcial vertical, na contagem dos dias de férias, considera-se sempre que o trabalhador tem dois dias de descanso semanais mesmo que não os tenha (ou por ter menos, ou por ter mais).
Qualquer cálculo que possa levar a redução de dias de férias sem base legal consubstancia a violação do regime de férias.
No regime de trabalho a tempo parcial vertical, o trabalhador que distribua a carga horária em menos de cinco dias da semana (mais de dois dias de descanso) tem direito a 22 dias de férias, ainda que, o seu gozo possa coincidir parcialmente com dias em que o trabalhador não presta atividade.
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- 59.º n.º 1 al. d) do CRP.
- 238.º do CT.
- 237.º n.º 2 do CT
- Para maior desenvolvimento, Milena Silva Rouxinol, o direito a férias do Trabalhador, Almedina, Coimbra, 2014., nota ao art. 238.º, p. 20 e ss.
- do TRP de 05/03/2018, p. n.º 2348/17.6T8OAZ.P1, consultado em www.dgsi.pt.
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