Pedro Meira e Cruz, Director da Best Medical Opinion - Pareceres Médicos & Perícias Médicas

Quando os Meios de Comunicação Falham na Comunicação em Saúde

08/06/2025

Vivemos numa época em que se apregoa – e bem – a importância da Literacia em Saúde. A capacidade dos Cidadãos compreenderem a informação relativa à sua saúde, aos Sistemas e Serviços disponíveis, e aos seus direitos e deveres é fundamental para garantir decisões livres e informadas. A comunicação social tem, também aqui, um papel muito importante. Mas o que acontece quando, em vez de clarificar, os meios de comunicação distorcem essa mesma informação?

Recentemente, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) emitiu o Alerta de Supervisão n.º 2/2025, dirigido aos estabelecimentos e serviços de saúde, nos sectores privado, cooperativo e social. O alerta versa sobre o dever de garantir que os utentes são informados, de forma completa, antecipada e inteligível, sobre as implicações administrativas, logísticas e financeiras da Prestação de Cuidados de Saúde.

No entanto, a forma como alguns meios de comunicação noticiaram este alerta ilustra, de forma preocupante, o fosso entre a intenção do regulador e a informação que, por essa via, chega ao público. O título de algumas dessas notícias, difundidas por diversos meios de comunicação social, nomeadamente meios que se apresentam como especializados em saúde, ao que parece alicerçadas numa notícia-base, afirma “Prestadores devem dar toda a informação aos utentes sobre custos na saúde – regulador”, o que é impreciso e enganador.

Na linguagem corrente, “prestadores” são frequentemente percebidos como os Profissionais de Saúde – Médicos, Enfermeiros, e outros profissionais – os quais, em muitos contextos, diria até que na generalidade dos casos, não têm qualquer responsabilidade na gestão ou comunicação de aspectos financeiros. São, frequentemente, colaboradores/prestadores de serviços independentes integrados em Instituições/Estabelecimentos de Saúde, não dispondo sequer da informação necessária para estimar custos ou condições subjacentes à relação cliente/utente-instituição, nomeadamente as de cariz financeiro ou contratual, ou relativa a quaisquer subsistemas.

O alerta da ERS, ao contrário do que o título da notícia sugere, dirige-se aos estabelecimentos de saúde porquanto entidades Organizadoras e Gestoras da Prestação de Cuidados, e não aos Profissionais de Saúde individualmente. A utilização indistinta do termo “prestadores” na notícia confunde, transfere responsabilidades de forma errada e cria expectativas irrealistas nos utentes, que, não raras vezes, exigem explicações a quem não tem qualquer obrigação – ou mesmo capacidade – de as prestar.

Este problema de comunicação não é exclusivo da imprensa. Parece, aliás, subsistir também, junto de certas entidades com supra responsabilidades, uma preocupante indefinição sobre o que são “prestadores de cuidados de saúde” – e, pior ainda, sobre o que é, efectivamente, a própria prestação de cuidados de saúde. Quando certas entidades, com alta responsabilidade, não distinguem com clareza entre quem organiza e quem presta cuidados, ou confundem prestação de cuidados com organização empresarial da prestação dos cuidados, abrem caminho a ambiguidades que comprometem todo o Sistema.

Esta distorção conceptual não é um mero lapso técnico. É um atentado à clareza e à literacia em saúde. E mais grave se torna quando praticado por órgãos de comunicação com responsabilidades também no âmbito da Saúde. É precisamente nestes contextos que se exigiria maior rigor e responsabilidade. A imprecisão terminológica em Saúde não é um detalhe: é um problema estrutural que alimenta a desinformação, gera equívocos, fragiliza a confiança dos Cidadãos e coloca em risco o exercício dos seus direitos.

O jornalismo em Saúde tem, mais do que nunca, a obrigação de educar, esclarecer e filtrar. Quando, ao invés, se limita a replicar conteúdos com títulos apelativos, mas erróneos, está a falhar a sua função e a contribuir para a desinformação em Saúde.

É essencial que todos nós, como sociedade, passemos a exigir mais e melhor informação – e menos ruído – em Saúde.

A literacia em Saúde pode ser promovida por uma boa manchete mas termina quando essa manchete engana.*

* artigo escrito ao abrigo do anterior acordo ortográfico.

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