Estudo identifica genes chave na resistência à esclerose lateral amiotrófica

20 de Agosto 2025

Uma equipa internacional descobriu como certos neurónios resistem à ELA, identificando fatores protetores como o En1. O estudo, publicado na Genome Research, abre caminho a novas terapias e possíveis biomarcadores para diagnosticar e travar a progressão da doença

Uma nova investigação liderada pela Universidade de Estocolmo, em colaboração com o Instituto do Cérebro de Paris e a Universidade de Örebro, descobriu os mecanismos que protegem certos neurónios da degeneração causada pela Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). O estudo, publicado na revista Genome Research, focou-se numa forma hereditária da doença provocada por mutações no gene SOD1.

Os neurónios oculomotores resistentes à ELA estendem a mão aos vulneráveis neurónios motores espinhais, mostrando como combater a doença – transformando um terreno desolador em pastagens mais verdes. Ilustração: Mattias Karlen

A equipa analisou milhões de moléculas de ARN mensageiro (mRNA) ao longo da progressão da doença para perceber porque é que alguns neurónios motores são resistentes e outros são sensíveis. Os resultados mostram que os neurónios resistentes, como os que controlam os movimentos oculares, possuem níveis basais muito elevados de fatores protectores, nomeadamente Engrailed-1 (En1), Parvalbumina (Pvalb), Cd63 e Galanina (Gal).

“Compreendemos melhor como os neurónios podem ser protegidos contra a ELA. Isto abre novos alvos para terapias futuras”, afirmou Eva Hedlund, professora de neuroquímica na Universidade de Estocolmo e líder do estudo.

A investigação revelou que o En1, um fator de transcrição que atua como um “interruptor” genético, parece ser particularmente crucial. “Sabíamos, por investigações anteriores, que ele pode proteger os neurónios sensíveis de se degradarem. Mas o facto de este fator de proteção ser produzido em níveis tão elevados nos neurónios motores resistentes que controlam os movimentos oculares foi uma surpresa”, explicou a coautora Dr.ª Melanie Leboeuf, do Instituto do Cérebro de Paris.

O estudo demonstrou ainda que os neurónios motores sensíveis não são passivos perante a doença; eles ativam respostas tanto prejudiciais como de proteção. “As células nervosas mostram sinais claros de tentativa de se protegerem, ativando genes que são normalmente elevados nos neurónios resistentes, como o En1, Pvalb, Cd63 e Gal. Elas tentam também restabelecer o contacto perdido com os músculos, ativando genes promotores de regeneração, como Atf3 e Sprr1a, embora estas tentativas acabem por falhar”, detalhou Eva Hedlund.

Esta descoberta da atividade genética distinta, tanto basal como induzida, em diferentes tipos de neurónios, oferece novas perspetivas para o tratamento. “Ao tentarmos estimular as células para suprimir as más respostas e, em vez disso, estimular ainda mais aquelas que são importantes para a sobrevivência, há uma possibilidade de virmos a obter resultados positivos no futuro”, acrescentou a professora Hedlund.

Para identificar quais as respostas genéticas dos neurónios sensíveis que melhor preveem a doença, a equipa recorreu a machine learning, uma forma de inteligência artificial. Esta análise permitiu identificar os genes VGF, INA e PENK como fortes indicadores da doença em várias mutações, sugerindo que poderão ser usados como biomarcadores.

“Vemos a possibilidade de estes genes virem a ser usados como biomarcadores para a doença e ajudarem no diagnóstico e prognóstico”, disse Irene Mei, estudante de doutoramento no Departamento de Ciências Biomédicas e Biofísica da Universidade de Estocolmo e primeira autora do estudo.

O artigo completo, Transcriptional modulation unique to vulnerable motor neurons predicts ALS across species and SOD1 mutations, está disponível na Genome ResearchDOI: 10.1101/gr.279501.124.

Sobre a ELA:
A Esclerose Lateral Amiotrófica é uma doença fatal e incurável caracterizada pela morte progressiva dos neurónios motores no cérebro e na espinal medula, que controlam todos os músculos esqueléticos do corpo, levando à sua paralisia. Cerca de 85-90% dos casos são esporádicos, sem historial familiar claro, e 10-15% são hereditários, causados por mutações em vários genes. A mutação no gene SOD1 é uma das mais comuns, representando cerca de 2% de todos os casos de ELA. Recentemente, foi aprovado na UE o fármaco Tofersen para tratar formas específicas de ELA ligadas ao gene SOD1.

NR/HN/Lusa

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