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A realidade das mulheres sem-abrigo em Portugal revela um padrão preocupante onde a violência doméstica surge como principal catalisador para a vida na rua. Das 13.128 pessoas identificadas em situação de sem-abrigo no final de 2023, cerca de 4.000 são mulheres, com uma concentração significativa na Área Metropolitana de Lisboa.
Maria Madalena Ramalho, vice-presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, confirma um aumento de 126% nos últimos dois anos no número total de pessoas apoiadas pela instituição, com uma tendência crescente na proporção de mulheres. O fenómeno aproxima-se da paridade, impulsionado pela crise económica, envelhecimento populacional e aumento das famílias monoparentais femininas.
Na primeira linha desta realidade está Maria, de 48 anos, que escolheu a rua após recusar regressar a uma relação violenta durante a pandemia. Durante três anos, desenvolveu estratégias de sobrevivência: dormir em locais diferentes cada noite, carregar sempre a mochila, evitar rotinas. Mesmo assim, enfrentou tentativas de violação e ameaças com arma branca.
Margarida Bolhão, 55 anos, viveu mais de década e meia na rua antes de encontrar abrigo na Cruz Vermelha. O seu testemunho revela uma constante: o medo da violação sexual e a necessidade de procurar proteção masculina, mesmo que isso significasse novos riscos.
A neuropsicóloga Cristiana Merendeiro, da associação CRESCER, identifica um perfil médio de mulheres entre os 40 e 45 anos, notando um aumento preocupante de jovens com históricos graves de violência doméstica. Estas mulheres apresentam traumas significativos e saúde mental fragilizada, frequentemente evitando as equipas de rua por questões de segurança.
Ana, 36 anos, exemplifica as dificuldades específicas das mulheres sem-abrigo. Vive numa tenda sob um viaduto há 18 meses, após fugir de 17 anos de agressões. Enfrenta desafios básicos de higiene, especialmente durante o período menstrual, usando frequentemente alternativas improvisadas por falta de produtos de higiene feminina.
Luísa Gomes partilha memórias semelhantes dos seus 15 anos na rua, incluindo situações extremas durante a menstruação. Hoje, integrada no programa Housing First da CRESCER, representa uma história de superação.
A resposta institucional é criticada por profissionais como Teresa Prata, assistente social da Comunidade Vida e Paz, que destaca a vulnerabilidade acrescida das mulheres a todos os tipos de violência. A separação frequente entre mães sem-abrigo e seus filhos é particularmente contestada pelos impactos traumáticos nas famílias.
Com o aumento do custo da habitação e estagnação salarial, especialistas antecipam um agravamento da situação, tornando ainda mais urgente a necessidade de respostas específicas para as mulheres em situação de sem-abrigo.
NR/HN/Lusa



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