ONG internacionais denunciam fome em Gaza e acusam Israel de “arma de guerra”

23 de Agosto 2025

As principais ONG humanitárias condenaram a “fome à vista do mundo” em Gaza, após a ONU declarar oficialmente a fase 5 (fome) na cidade de Gaza. Save the Children, Oxfam, Plan International e Ação Contra a Fome responsabilizam Israel, exigem cessar-fogo e o levantamento do bloqueio à ajuda

As principais organizações humanitárias internacionais denunciaram a “fome à vista do mundo” em Gaza, horas depois de a ONU declarar oficialmente a fase 5 (fome) na cidade de Gaza e arredores, a primeira no Médio Oriente. O Quadro Integrado de Classificação da Segurança Alimentar (IPC), com sede em Roma, confirmou uma situação de acesso extremo a alimentos e água potável, deslocações forçadas em grande escala e mortalidade elevada, prevendo a sua expansão até ao final de setembro às províncias de Deir el‑Balah e Khan Yunis.

“Inger Ashing, diretora executiva da Save the Children International, afirmou que centenas de milhares de crianças estão a ser lentamente condenadas à fome e que esta crise é o resultado final do uso da fome como arma de guerra por parte do Governo de Israel.” Em Genebra, o responsável pela coordenação dos assuntos humanitários das Nações Unidas, Tom Fletcher, declarou que a fome “podia ter sido evitada” e que a sua obstrução “sistemática” “vai e deve assombrar-nos a todos”.

As ONG atribuem a catástrofe às restrições impostas por Israel à entrada de alimentos e de outra ajuda essencial, em paralelo com a ofensiva militar iniciada em outubro de 2023. A Ação Contra a Fome reporta, a partir de Deir el‑Balah, o maior número de casos de subnutrição aguda grave desde o início das operações nutricionais em 2024, e descreve um cenário em que apenas 1,5% das terras cultiváveis permanecem acessíveis e sem danos. A organização refere ainda uma inflação que elevou em cerca de 4000% os preços dos alimentos básicos face ao período anterior à guerra, tornando bens essenciais inacessíveis.

Da parte da Oxfam, o coordenador de Segurança Alimentar e Meios de Subsistência, Mahmud Alsaqqa, responsabiliza “na sua totalidade” o bloqueio de Israel à entrada de alimentos e de ajuda vital pela crise atual, classificando-a como consequência direta da violência e do uso da fome como arma de guerra. Segundo Alsaqqa, a população enfrenta fome deliberada, bombardeamentos constantes e deslocações forçadas.

A Plan International indica ter conseguido fazer entrar 10 camiões com alimentos desde 6 de agosto, o suficiente para alimentar 45.000 pessoas durante três dias, mas sublinha que a resposta está muito aquém das necessidades de uma população em risco imediato. O diretor humanitário global da organização, Unni Krishnan, afirma que as consequências do bloqueio e do uso da fome como instrumento de guerra são evidentes, classificando a crise como “fabricada e evitável”, com mais de um milhão de crianças palestinianas e 2,2 milhões de pessoas no total a lutar pela sobrevivência. Para Krishnan, a fome em Gaza não resulta de falhas logísticas, mas de uma guerra brutal e de inanição deliberada. As ONG exigem um cessar‑fogo imediato e sustentado, o fim do fornecimento de armas a Israel e o levantamento do bloqueio à ajuda humanitária.

O conflito teve início a 7 de outubro de 2023, quando Israel declarou guerra ao Hamas após um ataque em território israelita que causou cerca de 1.200 mortos, na maioria civis, e 251 raptos. Desde então, as autoridades locais em Gaza contabilizam 62.263 mortos, maioritariamente civis, e pelo menos 157.114 feridos, números considerados fidedignos pela ONU. Mantêm-se as mortes por fome devido ao bloqueio prolongado da ajuda e à proibição de entrada de agências da ONU e de ONG, com relatos de distribuição intermitente de mantimentos em pontos considerados “seguros” pelo Exército israelita, onde se registaram disparos sobre civis famintos, resultando em 2.060 mortos e pelo menos 15.448 feridos.

No final de 2024, uma comissão especial da ONU acusou Israel de genocídio em Gaza e de usar a fome como arma de guerra, alegações igualmente apresentadas por países como a África do Sul junto do Tribunal Internacional de Justiça e reiteradas por organizações de direitos humanos internacionais e israelitas. As ONG ouvidas hoje descrevem a atual declaração de fome como o culminar de meses de alertas ignorados e apelam à remoção imediata de todas as barreiras à entrada de alimentos, água, combustível e cuidados médicos no enclave.

NR/HN/Lusa

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