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A infeção por Covid-19 pode acelerar o envelhecimento dos vasos sanguíneos em cerca de cinco anos, com impacto particularmente marcado nas mulheres, conclui um estudo multicêntrico publicado no European Heart Journal a 14 de agosto de 2025, no âmbito do congresso da European Society of Cardiology (ESC). A investigação, liderada por Rosa Maria Bruno, professora na Université Paris Cité, analisou 2.390 participantes recrutados entre setembro de 2020 e fevereiro de 2022, em 34 centros de 16 países (incluindo Áustria, Austrália, Brasil, Canadá, Chipre, França, Grécia, Itália, México, Noruega, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos), comparando pessoas nunca infetadas com Covid-19 com indivíduos com doença recente não hospitalizada, hospitalizados em enfermaria e internados em cuidados intensivos.
A equipa avaliou a “idade vascular” através da velocidade da onda de pulso carotídeo‑femoral (PWV), que mede a rapidez com que a onda de pressão se desloca entre as artérias carótida e femoral: valores mais elevados indicam maior rigidez arterial e envelhecimento vascular. As medições ocorreram aos seis e aos doze meses após a infeção, tendo sido ajustadas para idade, sexo e outros fatores de risco cardiovascular.
Face ao grupo sem infeção, todos os grupos com história de Covid-19 apresentaram artérias mais rígidas, incluindo os casos ligeiros. O efeito foi mais pronunciado nas mulheres e nos participantes com sintomas persistentes compatíveis com long Covid, como dispneia e fadiga. Entre as mulheres, o aumento médio da PWV foi de 0,55 m/s após Covid ligeira, 0,60 m/s nas hospitalizadas em enfermaria e 1,09 m/s nas internadas em cuidados intensivos. Um incremento em torno de 0,5 m/s é considerado clinicamente relevante e, numa mulher de 60 anos, equivale a cerca de cinco anos de envelhecimento vascular e a um aumento de 3% no risco de doença cardiovascular.
A vacinação associou-se, em termos gerais, a menor rigidez arterial quando comparada com a de pessoas não vacinadas. A médio prazo, a progressão do envelhecimento vascular após a infeção pareceu estabilizar ou apresentar ligeiras melhorias entre os 6 e os 12 meses de seguimento.
Entre as explicações possíveis avançadas pela equipa constam a interação do SARS‑CoV‑2 com os recetores da enzima conversora da angiotensina 2 (ACE2) no endotélio vascular, facilitando a entrada viral e a disfunção endotelial subsequente, e o papel das respostas inflamatórias e imunitárias do organismo. Diferenças imunológicas entre sexos podem contribuir para o maior impacto observado nas mulheres, que tendem a montar respostas mais rápidas e robustas, potencialmente associadas a maior lesão vascular após a fase aguda.
Os autores salientam que o envelhecimento vascular é mensurável com tecnologia disponível e potencialmente modificável através de intervenções de estilo de vida e terapêuticas para controlo da pressão arterial e do colesterol. O consórcio continuará a acompanhar a coorte para determinar se a rigidez arterial acrescida se traduz, a longo prazo, em maior incidência de enfarte e acidente vascular cerebral.
Numa nota editorial no European Heart Journal, Behnood Bikdeli, da Harvard Medical School, e coautores descrevem o estudo como uma das análises multicêntricas mais robustas a demonstrar persistência de aumento da PWV após Covid-19, com diferenças marcantes por sexo e maior elevação entre mulheres que necessitaram de cuidados intensivos, e sublinham a necessidade de identificar alvos modificáveis para prevenir e mitigar o envelhecimento vascular induzido pela infeção.
Referência: Accelerated vascular ageing after COVID-19 infection: the CARTESIAN study”, by Rosa Maria Bruno et al. European Heart Journal. doi: https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehaf430
NR/HN/Lusa



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