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A administração diária de 0,5 mg de colchicina pode desacelerar a expansão de mutações adquiridas em células estaminais do sangue associadas a maior risco de doença cardiovascular e a determinados cancros hematológicos. A conclusão resulta de uma subanálise do ensaio LoDoCo2, publicada no Journal of the American College of Cardiology (JACC) e apresentada em simultâneo no ESC Congress 2025.
A hematopoiese clonal (CH) consiste em mutações adquiridas em células progenitoras hematopoiéticas, prevalentes em idade avançada e associadas a risco superior a 1,5 vezes de eventos cardiovasculares, incluindo doença coronária, insuficiência cardíaca e arritmias. Entre os genes condutores mais frequentes contam‑se DNMT3A, TET2 e ASXL1, responsáveis por cerca de 80% dos casos. Estimativas indicam que mais de 10% das pessoas com 70 ou mais anos transportam uma ou mais destas mutações, com aumento progressivo da prevalência com a idade.
O LoDoCo2 já havia demonstrado uma redução de 31% no risco de eventos cardiovasculares em doentes com doença coronária crónica sob colchicina 0,5 mg/dia. Nesta subanálise, os investigadores procuraram determinar se o fármaco anti-inflamatório, usado correntemente na gota e noutras condições inflamatórias, também modula a dinâmica clonal da CH nos mesmos participantes.
Foram recolhidas quatro amostras de sangue por participante — no início, aos 30 dias, ao fim de um ano e no final do estudo — para sequenciação do DNA e quantificação longitudinal das mutações de CH. Em três momentos (início, 30 dias e um ano) mediram‑se ainda dois biomarcadores inflamatórios.
Comparativamente ao placebo, o grupo da colchicina apresentou um aumento anual não significativo de 6,3% no número global de células com mutações de CH, face a uma subida significativa de 14,9% no grupo controlo. A atenuação foi particularmente marcada em TET2: o tamanho do clone TET2 cresceu 9,1% ao ano com colchicina, contra 29,6% com placebo.
Segundo Michael Honigberg, cardiologista no Massachusetts General Hospital e autor sénior do estudo, estes resultados ganham relevo porque clones maiores se associam de forma mais robusta a risco cardiovascular e oncológico, e a CH com TET2 tem sido consistentemente ligada a maior risco cardiovascular. O autor sublinha que indivíduos com CH, em especial mutações em TET2, poderão retirar benefício particular da colchicina, incluindo na redução do risco cardiovascular.
Num trabalho complementar, igualmente publicado no JACC e apresentado no ESC 2025, analisaram‑se mais de 6.600 mulheres do Women’s Health Initiative Long Life Study (mediana de 80 anos) para testar se a relevância da CH para o risco cardiovascular diminui com a idade avançada. Foram identificadas associações entre subtipos de CH — TET2, ASXL1 e JAK2 — e incidência de doença cardiovascular, sugerindo que a CH permanece clinicamente pertinente na saúde cardiovascular em idades muito avançadas.
Harlan Krumholz, editor‑chefe do JACC e Professor Harold H. Hines Jr de Medicina na Yale University School of Medicine, salientou que a hematopoiese clonal está a emergir como peça-chave na ligação entre envelhecimento, doença cardiovascular e cancro, avançando a compreensão sobre como inflamação e alterações genéticas das células sanguíneas moldam o risco cardiovascular e abrindo perspetivas para prevenção e tratamento.
NR/HN/AlphaGalileo



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