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A província moçambicana de Nampula, no norte do país, contabilizou 71 mortes devido à tuberculose nos primeiros seis meses do ano. Os dados, avançados esta quarta-feira pela direção provincial de saúde, refletem um ligeiro mas preocupante aumento de 5% em comparação com o mesmo intervalo temporal do ano anterior, altura em que se registaram cerca de sessenta óbitos.
Jaime Miguel, chefe do departamento de saúde pública em Nampula, confirmou os números à agência Lusa. O responsável não se ficou pelos valores da mortalidade, sublinhando que o território diagnosticou 4.328 casos da doença entre janeiro e junho. Um número que, apesar de elevado, fica aquém dos 6.935 casos identificados em igual período de 2024, o que poderá indiciar problemas de deteção. A incidência mostra-se mais severa nos distritos de Nampula, Mogovolas, Eráti e Liúpo.
No fundo, a situação desvenda uma teia de dificuldades antigas. Jaime Miguel foi perentório ao identificar um dos nós críticos: a fraca cobertura provincial no rastreio e no acompanhamento dos doentes nas comunidades. Um problema que se agudizou com a saída da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), que durante anos apoiou organizações locais no combate a esta doença. O anúncio do encerramento definitivo da USAID, feito pelo Governo norte-americano a 1 de julho, veio cortar uma linha de financiamento vital para a saúde moçambicana.
“Temos algumas comunidades que não têm cobertura dos ativistas e tendo em conta o nosso rácio de técnico de saúde, unidade sanitária e população, existem pessoas que percorrem quilómetros para chegar a uma unidade sanitária”, explicou Jaime Miguel. Esta realidade acaba por ter consequências diretas na gravidade dos casos que chegam aos cuidados de saúde. “O facto de não conseguirmos fazer o seguimento dos casos nas comunidades contribui, porque os casos que chegam nas unidades sanitárias são casos graves”, acrescentou. Sem uma rede de proximidade, a tuberculose progride silenciosamente.
O cenário em Nampula é um capítulo de um problema nacional. Já a 23 de julho, as autoridades de saúde moçambicanas tinham revelado que o país registara 48.000 casos de tuberculose no primeiro semestre, apontando o dedo à falta de financiamento. Ivan Manhiça, secretário permanente do Ministério da Saúde, alertara então que “Moçambique continua a enfrentar uma elevada carga desta doença, muitas vezes associada ao VIH”, com um impacto mais severo nas populações mais vulneráveis.
Numa perspetiva mais abrangente, Benedita José, responsável pelo Programa Nacional de Controlo da Tuberculose, estimou que a patologia afete cerca de 361 pessoas por cada 100 mil habitantes no país. As contas oficiais, citadas por si, anteveem a existência de cerca de 121 mil casos reais por ano, um número que ultrapassa em muito as notificações.
Num esforço para contrariar a tendência, as autoridades receberam a 30 de junho dois milhões de doses da vacina BCG, suficientes para seis meses, após uma rutura de stock que complicou a imunização de bebés até aos 23 meses. Paralelamente, o trabalho de organizações não-governamentais tem tentado colmatar algumas lacunas. A Associação de Ajuda de Desenvolvimento de Povo para Povo (ADPP), por exemplo, afirma ter garantido tratamento a mais de 108 mil pessoas desde 2019 em 50 distritos, incluindo Nampula. Desses casos, 10.547 eram crianças, um dado que ilustra o rosto mais cru da doença. Mas o caminho, como os números de Nampula mostram, ainda é extenso e cheio de obstáculos.
NR/HN/Lusa



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