Quebra de preços de antibióticos na Europa ameaça acesso a medicamentos

1 de Outubro 2025

Um estudo independente realizado em 16 países europeus, incluindo Portugal, revela que a quebra de 10% no preço dos antibióticos mais vendidos, aliada ao aumento de custos de produção, está a forçar fabricantes a sair do mercado e a comprometer o acesso a tratamentos essenciais

Um estudo europeu alargado traça um retrato preocupante do acesso a antibióticos sem patente, onde uma combinação de preços em queda e custos de produção em forte ascensão está a criar uma tempestade perfeita no mercado farmacêutico. A investigação, desenvolvida pela consultora New Angle e patrocinada pela farmacêutica Viatris, analisou a situação em 16 países, entre os quais Portugal, e detetou um declínio médio de 10% no preço dos dez antibióticos essenciais mais vendidos entre 2020 e 2024.

Este cenário é particularmente crítico para medicamentos como a amoxicilina, cujo preço caiu quase 19% no período em análise, e que foi um dos mais afetados pelas rupturas de stock reportadas em meados de 2025. Pelo outro lado da equação, os custos industriais dispararam: o índice de preços de produção subiu 31,6%, a mão-de-obra aumentou 25,7% e os preços da energia e de materiais como o alumínio registaram picos históricos. O gás natural, por exemplo, chegou a ter uma subida de 173,2% em 2022, mantendo-se depois em níveis muito elevados.

Margarida Bajanca, investigadora principal da New Angle, sublinha a gravidade da situação. “Os antibióticos sem patente são uma base essencial dos cuidados de saúde. O nosso estudo mostra que, embora os preços continuem a cair como resultado direto das regras de fixação de preços, os custos de produção disparam, ameaçando a sua viabilidade a longo prazo”, afirmou. A especialista alerta que, sem reformas específicas, os doentes europeus poderão perder o acesso a estes tratamentos, com consequências sérias para a saúde pública e para o combate à resistência antimicrobiana.

A pressão sobre a cadeia de abastecimento já se faz sentir com intensidade. Foram documentadas 385 situações de escassez e a retirada de 240 produtos antibióticos do mercado nos países estudados. Esta fragilidade é agravada pela consolidação do mercado, com menos fabricantes a conseguirem operar com margens tão baixas, o que reduz a diversidade de fornecedores e aumenta o risco de ruturas constantes.

Artur Cwiok, da Viatris, defende que são necessárias “políticas de mercado fortes e sustentáveis que reflitam o valor terapêutico dos medicamentos essenciais”. Já Adrian van den Hoven, da Medicines for Europe, foi mais contundente ao comentar que “é absurdo que o preço de um tratamento com antibióticos custe menos do que uma chávena de café em alguns países”. Ele exortou os decisores políticos a tomarem medidas corajosas, incluindo uma forte Lei de Medicamentos Críticos para a Europa.

Entre as soluções propostas no estudo e endossadas pela Viatris estão a indexação dos preços à inflação, a definição de preços mínimos sustentáveis e a reforma dos processos de aquisição pública. Fernanda Aleixo, da Viatris Portugal, acrescentou que é crucial que os concursos públicos passem a ter vários vencedores e critérios que vão além do preço, como a fiabilidade do fornecimento.

O alerta estende-se para lá dos antibióticos, servindo de exemplo para a situação de muitos medicamentos essenciais sem patente, que constituem a primeira linha de tratamento em numerosas doenças. A garantia do seu acesso contínuo é, assim, um pilar para a eficácia dos sistemas de saúde públicos.

PR/HN

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