![]()
A aplicação da vacina Qdenga durante o surto de dengue de 2024 no Brasil conseguiu reduzir as hospitalizações em 68% entre a população adolescente vacinada. Os dados, que surgem de um estudo observacional realizado no estado de São Paulo, fornecem a primeira prova da efetividade do imunizante no mundo real, depois de a sua aprovação se ter baseado essencialmente em ensaios clínicos.
A investigação, publicada esta semana na revista The Lancet Infectious Diseases, foi conduzida por Otavio Ranzani, do Instituto de Investigação Sant Pau, em parceria com Júlio Croda, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Perante a dimensão da epidemia, que fez do Brasil um cenário de quase 6,6 milhões de casos e mais de seis mil mortes no ano passado, as autoridades sanitárias locais optaram por priorizar a vacinação em adolescentes entre os 10 e os 14 anos. Esta faixa etária, sabe-se, representa nos contextos endémicos um grupo com elevada incidência de casos sintomáticos e risco clínico considerável.
A campanha de imunização, que avançou em plena turbulência epidemiológica, administrou perto de 690 mil doses da Qdenga, uma vacina tetravalente desenvolvida para conferir proteção contra os quatro serotipos do vírus. A equipa de Ranzani e Croda meteu então as mãos na massa, analisando os registos de mais de 90 mil adolescentes que apresentaram febre aguda e foram sujeitos a testes laboratoriais para confirmar ou excluir a dengue. A análise comparou a taxa de vacinação entre os que testaram positivo e os que testaram negativo, um método que permite aferir a efetividade real da vacina fora do ambiente controlado dos laboratórios.
Os resultados apontam para uma quebra de aproximadamente 50% nos casos sintomáticos da doença após uma única dose. Com a segunda dose, essa proteção sobe para 62%, um patamar que os investigadores consideram robusto. Mas talvez o dado mais impressionante, ainda que sujeito à volatilidade dos números iniciais, seja o dos internamentos: uma única injecção conseguiu evitar 68% das hospitalizações no grupo estudado. A proteção, contudo, não se mostrou eterna. O estudo detetou o início da imunidade catorze dias após a primeira dose, uma proteção que se manteve firme nos três meses seguintes, mas que depois começou a esmorecer. Este pormenor vem sublinhar a necessidade premente de completar o esquema vacinal de duas doses para se obter uma defesa mais duradoura.
O trabalho agora conhecido é um alento contra a dengue, mas não uma bala de prata. A sua própria natureza observacional impõe limitações, e o recorte etário foca-se apenas nos adolescentes, deixando em aberto perguntas sobre a performance noutras faixas. Mesmo assim, trata-se de uma evidência tangível de que a vacinação, mesmo iniciada durante uma tempestade epidemiológica, pode alterar o curso da doença e desafogar os hospitais. O artigo científico está disponível para consulta em: https://doi.org/10.1016/S1473-3099(25)00870-8.
NR/HN/Lusa



0 Comments