Moçambique/Ataques: Acesso à saúde extremamente frágil após oito anos de violência em Cabo Delgado

5 de Outubro 2025

Os serviços básicos de saúde são dos mais afetados pela violência em Cabo Delgado, oito anos após eclosão do conflito armado naquela província moçambicana, com o acesso "limitado e extremamente frágil", segundo a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF).

“O que testemunhámos nos últimos meses em Cabo Delgado é uma nova vaga de violência. Só os ataques mais recentes levaram cerca de 20 mil pessoas a se deslocar na província”, disse à Lusa Richard Ferreira, médico daquela Organização Não-Governamental (ONG) no distrito de Mocímboa da Praia, em Cabo Delgado.

Ataques que se repetem, agora, mas recordam também o grande ataque a Mocímboa da Praia, norte da província de Cabo Delgado, há oito anos.

Nas últimas semanas, após sucessivos ataques, a MSF viu-se mesmo obrigada a suspender a atividade, novamente, em Mocímboa da Praia, por questões de segurança.

Aquele distrito foi o primeiro palco dos ataques, em 05 de outubro de 2017, dos grupos armados que protagonizam incursões em Cabo Delgado. A vila sede de Mocímboa da Praia chegou mesmo a funcionar como quartel-general dos rebeldes durante pouco mais de ano, até ser recuperada, em agosto de 2021, pela ação conjunta das forças governamentais moçambicanas e do Ruanda.

Segundo Richard Ferreira, no início da intervenção dos MSF na região em 2019, as necessidades mais “urgentes” estavam ligadas aos cuidados médicos básicos e ao apoio humanitário de emergência às famílias deslocadas pelo conflito, que em oito anos ultrapassam um milhão.

“Hoje, essas necessidades não só continuam, como também se agravam. Há uma pressão enorme sobre os serviços de saúde, muitas unidades de saúde foram destruídas por ataques ou por ciclones e as poucas que restam, muitas vezes, não têm condições mínimas ou ficam inacessíveis por conta da insegurança”, explicou Ferreira.

Apontou ainda que desde 2017 muitas pessoas foram “forçadas” a abandonar as suas casas repetidas vezes em Cabo Delgado e, por causa desta “volatilidade constante”, a população continua a ter “imensas dificuldades” em aceder aos serviços básicos.

“Muitos civis decidem deslocar-se para locais mais seguros depois dos episódios de violência, entre eles, há profissionais de saúde, e isso leva a uma ausência importante de recursos humanos para assistência nos serviços de saúde”, apontou.

Segundo o médico, os últimos três meses foram os “mais violentos dos últimos anos”, com o registo de ataques e incidentes “violentos” em várias áreas da província e que, por vezes, estendem-se às províncias vizinhas, trazendo “dificuldades para todos”.

Desde o início de setembro, descreveu, o distrito de Mocímboa da Praia sofreu vários ataques, que chegaram a atingir zonas muito próximas do centro da vila.

“O acesso aos serviços básicos de saúde continua limitado e extremamente frágil. A MSF é a principal organização médica a apoiar as estruturas existentes em Mocímboa, em colaboração com o Ministério da Saúde. Atualmente, apenas metade das estruturas de saúde ainda funcionam, três postos de saúde e o hospital”, disse.

Para agravar, o financiamento humanitário aos afetados pelo conflito está a diminuir, apesar do aumento das necessidades na província, o que compromete a capacidade de dar “resposta rápida” as emergências, reduzindo a cobertura dos programas e dificultando a coordenação entre organizações.

“Em 2025, por exemplo, vimos várias organizações a reduzirem ou suspenderem a sua assistência, mesmo com tantas necessidades críticas em andamento”, avançou, acrescentando que a meta atual é “dar uma resposta às necessidades da população de forma segura”, incluindo para os profissionais.

lusa/HN

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