Acesso à saúde mental para comunidades africanas em Portugal ainda é limitado – Afropsis

6 de Outubro 2025

O co-fundador da Afropsis Henda Vieira-Lopes alertou que barreiras culturais, financeiras e estruturais ainda limitam o acesso das comunidades africanas e afrodescendentes à saúde mental em Portugal, levando a associação a agir diretamente junto destas comunidades.

Em declarações à Lusa, a propósito do Dia Mundial da Saúde Mental, que se assinala na próxima sexta-feira, dia 10 de outubro, o psicólogo Henda Vieira-Lopes declarou que o acesso das comunidades é dificultado, embora existam mecanismos formais de apoio no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

“Para as comunidades africanas, com rendimentos médios mais baixos, a saúde mental acaba por não ser uma prioridade, e o preço é uma barreira efetiva”, afirmou o especialista.

Ao fator económico soma-se o estigma, persistindo preconceitos em torno da psicologia, que é frequentemente associada à ideia de “falta de força de vontade”, segundo Henda Vieira-Lopes.

“Muitas vezes, os problemas de saúde mental caem dentro de um saco chamado força de vontade, se tiver força de vontade, a pessoa ultrapassa”, disse o psicólogo, considerando que “a negação do problema apenas o agrava”.

De acordo com o especialista, o processo migratório e a integração em Portugal são fatores de elevado stress.

A burocracia, a precariedade laboral e os discursos populistas contra as comunidades agravam a situação, aumentando os níveis de ansiedade e de insegurança.

“Cada obstáculo aumenta a pressão psicológica, potenciando ‘burnout’, depressão e ansiedade”, referiu.

Estes fatores ameaçam ainda levar à “guetificação” das comunidades em vez de as integrarem, alienando as segundas gerações.

Foi neste contexto que surgiu, há quatro anos, a Afropsis, um coletivo de psicólogos negros afrodescendentes, que conta com cerca de 40 profissionais e desenvolve um trabalho de proximidade junto das comunidades africanas e afrodescendentes no país.

“A nossa capacidade de penetração dentro das comunidades africanas é maior, pela identificação e representatividade”, explicou o psicólogo, acrescentando que “as pessoas sentem-se mais seguras”.

A organização começou por disponibilizar consultas gratuitas a refugiados negros vindos da Ucrânia e expandiu a sua intervenção a bairros da margem sul, Amadora e Ameixoeira, em articulação com associações locais como a Casa do Brasil de Lisboa.

Em agosto, a Afropsis enviou membros a Cabo Verde para darem apoio após as derrocadas provocadas pelas chuvas intensas, numa missão conjunta com bombeiros e a proteção civil.

Apesar do impacto, a associação opera exclusivamente em regime de voluntariado, sem financiamento institucional, o que limita a sua atuação.

Para ultrapassar estas barreiras, a organização defende que a psicologia deve sair dos gabinetes e ir ao encontro das comunidades, através de programas de proximidade.

“Não basta esperar que as pessoas venham até nós. É necessário levar a psicologia às comunidades, trabalhar com líderes locais e criar espaços de confiança. Muitas vezes começamos a conversar sobre a vida e só no final a pessoa percebe que falou com um psicólogo”, contou.

Henda Vieira-Lopes conclui que “a população não negra tem acesso facilitado”, enquanto “as comunidades afrodescendentes estão expostas a muito mais condicionantes”, acrescentando que os membros da Afropsis sentem “a necessidade de devolver à comunidade” o que sabem “para aliviar dores que muitas vezes nem são reconhecidas”.

O Dia Mundial da Saúde Mental foi assinalado pela primeira vez, em 1992, pela Federação Mundial da Saúde Mental (FMSM), sendo a data posteriormente reconhecida e celebrada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

lusa/HN

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