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A Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) afeta 800 mil portugueses, mas 70% da população desconhece esta patologia. Em entrevista exclusiva ao HealthNews, João Neiva Machado, da Comissão de Trabalho de Fisiopatologia Respiratória e DPOC da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, aborda os desafios do diagnóstico precoce, o impacto económico da doença e as estratégias necessárias para melhorar a consciencialização e o tratamento no SNS.
HealthNews (HN) – Sendo a DPOC a quinta causa de morte em Portugal e afetando 800 mil pessoas, como explica que 70% dos portugueses desconheçam esta doença? Que medidas concretas poderiam ser implementadas para aumentar a consciencialização pública?
João Neiva Machado (JNM) – A DPOC continua a ser uma doença “silenciosa” porque os sintomas iniciais — tosse crónica, falta de ar com o esforço, produção de expetoração — são frequentemente atribuídos ao envelhecimento ou ao tabaco e desvalorizados por quem os sente. Vão sendo adaptadas as realidades às limitações o que atrasa a perceção do problema (por exemplo, em vez de subir escadas usa-se apenas elevador, etc.). Além disso, não temos tido em Portugal campanhas nacionais regulares e consistentes que a tornem tão visível como, por exemplo, o enfarte agudo do miocárdio ou o cancro. A Sociedade Portuguesa de Pneumologia e alguns parceiros têm vindo a trabalhar nesse sentido.
Medidas concretas:
– Campanhas de sensibilização sustentadas: mensagens simples como “Tosse crónica não é normal” ou “Se fuma e se cansa facilmente, procure o seu médico”.
– Eventuais campanhas de identificação precoce em centros de saúde ou espaços públicos de elevada afluência: questionários curtos e espirometria.
– Dias nacionais de espirometria com unidades móveis em zonas rurais.
– Formação e dinamização dos médicos de família em algoritmos de deteção precoce.
– Envolvimento de associações de doentes.
HN – Os custos anuais associados à DPOC ascendem aos 3 mil milhões de euros em Portugal. Como se distribuem estes custos entre tratamentos, internamentos e perda de produtividade? Que estratégias preventivas poderiam reduzir este impacto económico?
JNM – A maior parte deste custo está associada a exacerbações agudas que levam a internamentos prolongados e absentismo laboral. Os custos indiretos (perda de produtividade, reformas antecipadas) pesam tanto ou mais do que os custos diretos de medicamentos.
Estratégias preventivas:
– Redução do tabagismo: políticas fiscais, proibição de marketing (especialmente dirigido a adolescentes e jovens) e programas de cessação tabágica.
– Vacinação disseminada dos doentes de risco.
– Difusão do acesso a Programas de Reabilitação Respiratória, o que visa a melhoria dos sintomas e redução das exacerbações, com poupança direta em internamentos
– Diagnóstico precoce com espirometria também pode permitir a prevenção de progressão de doença, o que em si reduz também o impacto no indivíduo e no sistema de saúde.
HN – Considerando as longas listas de espera para consultas e exames de diagnóstico, que alterações estruturais seriam necessárias no SNS para melhorar o diagnóstico precoce e o acompanhamento dos doentes com DPOC?
JNM – É naturalmente verdade que o SNS tem um desafio estrutural bastante relevante na adaptação à atualidade das necessidades da população. Se por um lado tem perdido capacidade de reter médicos por razões já sobejamente conhecidas e discutidas, também tem a necessidade de responder a cada vez mais utentes. Desse ponto de vista, a balança desequilibra e condiciona atrasos na resposta. Naturalmente que a única forma de equilibrar a balança é reter mais médicos no SNS e dotá-los de autonomia e recursos técnicos para que desempenham a sua atividade de forma mais eficiente. No que diz respeito especificamente à DPOC, impera também a necessidade de disponibilizar formação e informação a todos os médicos que interajam com doentes respiratórios ou em risco de doença respiratória e promover um acesso simplificado e universal à espirometria, especialmente nos cuidados de saúde primários.
Alterações estruturais propostas:
– Disponibilizar espirometria em todas as USF, com técnicos formados e validação por pneumologistas.
– Criar vias rápidas respiratórias, semelhantes às existentes na oncologia.
– Protocolos claros de referenciação entre médicos de família e pneumologistas.
– Integração em rede: consultas partilhadas (teleconsulta médico de família + pneumologista).
– Aumento da literacia digital nos cuidados de saúde primários.
HN – Face aos dados que indicam que muitos sintomas iniciais são desvalorizados pelos próprios doentes, quais são os sinais de alerta que os médicos de família deveriam privilegiar nas consultas de rotina?
JNM – Os médicos de família estão numa posição estratégica para identificar precocemente a DPOC e tem-se notado o interesse crescente na patologia respiratória.
Os sinais de alerta mais importantes são:
– Tosse crónica diária (>3 meses/ano).
– Produção de expetoração persistente.
– Falta de ar progressiva, sobretudo ao esforço.
– História de tabagismo (>10 maços-ano) ou exposição ocupacional.
– Episódios de “bronquite” ou “pneumonia” recorrentes.
HN – Com o aumento da prevalência da DPOC em Portugal, que papel podem ter as novas tecnologias e a telemedicina na monitorização e gestão da doença, especialmente em doentes que vivem em áreas com menor acesso a cuidados especializados?
JNM – As novas tecnologias têm potencial transformador mas também podem ser importantes elementos de entropia num sistema já de si bastante complexo.
Alguns exemplos de aplicação são:
– Teleconsultas periódicas: permitem ajuste terapêutico sem deslocações.
– Aplicações móveis e dispositivos portáteis: monitorizam sintomas, sinais vitais e adesão terapêutica.
– Telereabilitação: programas domiciliários de exercício supervisionado remotamente, já mostraram ser custo-efetivos em Portugal.
– Inteligência artificial: pode prever risco de exacerbações e permitir intervenção precoce mas carece ainda de validação universal.



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