Emília Vieira sobre cancro da mama: “Nenhum doente deve sentir-se sozinho”

10/07/2025
Emília Vieira, Presidente da Associação Amigas do Peito

Emília Vieira, Presidente da Associação Amigas do Peito, alerta para o impacto do cancro da mama em Portugal, com 13 novos casos diários e quatro mortes. Na entrevista ao Health News, destaca a importância do diagnóstico precoce, o aumento de casos em mulheres jovens e a necessidade de desmistificar a doença nos homens. Acompanhamento psicológico, apoio social e iniciativas como a Gala Solidária são fundamentais para transformar solidariedade em esperança.

HealthNews (HN) – Como caracteriza a realidade atual do cancro da mama em Portugal, particularmente no que diz respeito ao seu impacto na vida dos doentes e suas famílias?

Emília Vieira (EV) – O cancro da mama continua a ser o tipo de cancro mais frequente entre as mulheres em Portugal. Todos os dias são detetados 13 novos casos e, infelizmente, quatro mulheres perdem a vida. Estes números revelam não apenas a dimensão da doença, mas também o impacto profundo que ela tem no quotidiano de quem recebe o diagnóstico e das suas famílias. Não falamos apenas de um desafio médico: falamos de medo, de insegurança, de alterações no corpo e na autoestima, de dificuldades práticas e logísticas, e de um enorme desgaste emocional. O apoio familiar e social torna-se fundamental, mas muitas vezes é insuficiente – e é aqui que instituições como a nossa desempenham um papel essencial, oferecendo suporte psicológico, social e até logístico para que nenhum doente se sinta sozinho.

HN – Tem-se verificado um aumento de diagnósticos em mulheres jovens. A que fatores atribui esta tendência e que desafios específicos estes casos apresentam?

EV – Embora seja mais comum após os 50 anos, há cada vez mais mulheres diagnosticadas antes dos 40. Entre os fatores estão alterações genéticas e histórico familiar, estilos de vida menos saudáveis, consumo de álcool e tabaco, obesidade, sedentarismo, bem como a gravidez tardia ou a ausência de gravidez. Estes casos apresentam desafios muito específicos: além do impacto clínico, a doença surge numa fase da vida em que muitas mulheres estão a consolidar carreiras, a pensar em ter filhos ou a cuidar de crianças pequenas. O choque emocional é, por isso, ainda maior, e o acompanhamento psicológico, social e até de fertilidade é crucial.

HN – O cancro da mama no homem é uma realidade ainda pouco conhecida. Que importância tem falar sobre este tema e que mensagem gostaria de transmitir?

EV – Apesar de representar apenas cerca de 1% dos casos, o cancro da mama também afeta os homens. O grande problema é que, pela falta de informação, os sinais e sintomas são muitas vezes desvalorizados, levando a diagnósticos tardios. É essencial falar sobre este tema para quebrar preconceitos e alertar os homens de que também devem estar atentos a alterações na mama. A mensagem é simples: o cancro da mama não é exclusivo das mulheres e, quanto mais cedo for diagnosticado, maior é a probabilidade de sucesso no tratamento.

HN – De que forma é que o diagnóstico precoce influencia as taxas de sobrevivência e que medidas concretas devem ser adotadas para uma vigilância eficaz?

EV – O diagnóstico precoce é absolutamente determinante. Quando detetado numa fase inicial, o cancro da mama tem uma taxa de sobrevivência superior a 90% ao fim de cinco anos. Para garantir essa vigilância, é essencial apostar em rastreios regulares, consultas de rotina e mamografias de acordo com a idade e o histórico familiar. Mas também é importante literacia em saúde: incentivar o autoexame, promover hábitos de vida saudáveis e criar campanhas que desmistifiquem o medo dos exames. Cada dia conta quando falamos de diagnóstico precoce.

HN – Pode descrever o tipo de apoio que a Associação Amigas do Peito disponibiliza, desde o momento do diagnóstico até ao final do tratamento?

EV – A Associação Amigas do Peito está presente em todas as fases. Oferecemos apoio psicológico individual e em grupo, promovemos atividades de entreajuda e acompanhamento emocional, disponibilizamos as nossas Casas de Acolhimento para doentes deslocadas em tratamento, vindos de todas as partes de Portugal e provenientes de países PALOP, e ajudamos em necessidades sociais e logísticas. Também desenvolvemos ações de sensibilização, rastreios gratuitos em empresas e comunidades, e apoiamos mulheres carenciadas na aquisição de próteses mamárias. Não substituímos o tratamento hospitalar, mas complementamos esse percurso com humanidade, proximidade e apoio prático.

HN – Qual é o papel da comunidade e do apoio social no percurso de um doente oncológico e como se pode promover uma maior humanização dos cuidados de saúde?

 EV – A comunidade tem um papel vital. O cancro não afeta apenas o corpo, mas toda a vida do doente. É preciso garantir que ninguém se sinta isolado, que as famílias tenham suporte e que as necessidades práticas – como alojamento durante tratamentos ou ajuda com transporte – sejam asseguradas. A humanização da saúde passa por olhar para a pessoa e não apenas para a doença: ouvir, acolher, dar espaço à partilha de emoções e oferecer soluções integradas. Acreditamos que a comunidade, em parceria com instituições como a nossa, pode transformar um percurso solitário num caminho de solidariedade e esperança.

HN – A associação vai realizar uma Gala Solidária sob o mote “Ajudar hoje para que o amanhã seja possível”. Em que medida é que este evento contribui para a missão da associação?

EV – A Gala Solidária, a decorrer no dia 24 de outubro, na Aula Magna da Universidade de Lisboa, é um dos momentos mais importantes do ano para a nossa Associação. Não é apenas uma noite de música e cultura, mas sim uma celebração da vida e da solidariedade. Todo o valor angariado reverte para os nossos projetos – desde a manutenção das Casas de Acolhimento ao apoio psicológico e social, passando pelas campanhas de sensibilização e rastreios gratuitos. Este evento mostra que, juntos, podemos transformar solidariedade em ação concreta. “Ajudar hoje para que o amanhã seja possível” é mais do que um mote: é a certeza de que cada bilhete e cada contributo se traduzem em esperança real para muitas mulheres e homens que enfrentam o cancro da mama.

Entrevista/Redação HN

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