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O percurso de uma grávida em trabalho de parto para o Hospital Garcia de Orta, em Almada, foi interrompido pela pressa da natureza. Na autoestrada A33, a escassos quilómetros do destino, a equipa de bombeiros voluntários da Moita não teve alternativa senão parar a ambulância e assistir ao nascimento. O caso, ocorrido na madrugada de hoje, marca o décimo quinto parto que a corporação assegura só em 2025, um número que espelha uma realidade mais vasta de constrangimentos nos serviços de saúde da região.
De acordo com o comandante operacional, Pedro Ferreira, a ocorrência foi desencadeada por um alerta para um “parto iminente” na Baixa da Banheira. O CODU orientou o transporte para o Garcia de Orta, uma decisão que levantou de imediato uma questão logística. “Perguntamos ao CODU qual era o hospital de referência, uma vez que a maternidade do Hospital do Barreiro, que estava a cinco minutos, estava encerrada”, contou. Sem essa opção, a ambulância rumou a Almada, mas o trajeto foi cortado pela urgência do momento, algures junto a uma área de serviço.
Pedro Ferreira salienta uma consequência prática destas deslocações de maior alcance. “Quando as nossas ambulâncias têm de ir para Almada ou para Lisboa, é menos um meio” disponível para uma população que ronda os setenta mil habitantes no concelho. E não se trata de um cenário hipotético. “Há duas ou três semanas, duas ambulâncias nossas, a meio da noite, tiveram de ir para Lisboa com duas grávidas e isso desguarnece o concelho. Isso não deveria acontecer”, afirmou, num tom que mistura a resignação com o alerta.
Os números do INEM, solicitados pela Lusa, conferem dimensão nacional a este tipo de episódios. Entre 1 de janeiro e 14 de setembro de 2025, registaram-se 32 partos em ambulâncias, um valor que já supera os totais anuais de 2022 (25), 2023 (18) e 2024 (28). A estes juntam-se os dois partos assistidos pelos bombeiros da Moita nas últimas semanas, incluindo o de hoje. No total de contextos pré-hospitalares – que abrangem domicílios e via pública –, contabilizam-se 154 ocorrências até meados de setembro. O INEM admite que os partos fora do hospital sempre aconteceram, justificando-os com chamadas tardias para o 112 ou com a iminência do parto no momento do pedido de ajuda.
O cerne do problema, porém, parece ancorado na debilidade dos serviços de obstetrícia na Península de Setúbal. Os hospitais da região têm enfrentado encerramentos rotineiros das urgências, um fenómeno atribuído à carência de profissionais para assegurar escalas. Como solução paliativa, o Governo planeia criar uma urgência regional de obstetrícia, mantendo o Garcia de Orta em funcionamento permanente e encaminhando para Setúbal os casos triados pelo SNS 24 e INEM. Enquanto isso não se materializa, as ambulâncias continuam a ser, por força das circunstâncias, salas de parto improvisadas sobre rodas.
NR/HN/Lusa



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