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O III Congresso Nacional da Distribuição Farmacêutica, que reuniu cerca de 200 participantes em Oeiras, expôs a contradição de um setor estratégico para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) mas com margens de rentabilidade perigosamente baixas. Enquanto a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, lançava o repto para alargar a dispensa em proximidade de medicamentos hospitalares, os distribuidores farmacêuticos alertavam para a insustentabilidade financeira de uma atividade que movimenta 360 milhões de embalagens anuais.
Nuno Flora, presidente executivo da ADIFA, não poupou nas críticas ao atual modelo. Defendeu a “urgência de alinhar políticas públicas com a realidade no terreno” e apontou quatro prioridades: atualização automática de preços, sistema de alerta para escassez de medicamentos, expansão da dispensa em proximidade e diferenciação da distribuição de serviço completo. “Quando a distribuição funciona, o sistema respira”, resumiu, deixando no ar a perceção de que o setor está asfixiado.
Os números apresentados no estudo da Deloitte encomendado pela associação confirmam a fragilidade. A distribuição farmacêutica contribui com 0,11% para o PIB nacional, gerando um impacto económico direto e indireto de 302 milhões de euros. Mas a margem EBITDA consolidada ficou nos 1,9% em 2024, com o resultado líquido a fechar em apenas 0,9%. Um dado que espelha o peso esmagador dos custos com mercadorias – 93,4% da estrutura de custos – e que coloca em causa a viabilidade de longo prazo.
Ana Paula Martins, na sessão de abertura, reconheceu a importância estratégica do setor, mas também a sua necessidade de rentabilidade. “Estamos a falar de um setor que está dentro da cadeia de valor, paga ordenados, paga impostos e que vive num setor económico. Portanto, tem de garantir a sua rentabilidade aos acionistas”, afirmou. A governante mostrou-se particularmente empenhada em alterar o estatuto de medicamentos com dispensa exclusiva nos hospitais. “Não tenho nenhuma dúvida de que precisamos de ir mais longe. Precisamos de mudar o estatuto de alguns medicamentos de uma vez por todas.”
A dispensa em proximidade surge assim como uma das vias para otimizar recursos. O estudo da Deloitte quantifica os ganhos: o tempo médio de deslocação dos utentes cai de 119 para 15 minutos, enquanto o tempo de espera baixa de 21 para 9 minutos. Já o impacto ambiental do modelo de serviço completo é significativo, com uma poupança estimada em 621 mil toneladas de CO2 em 2024, comparativamente a um sistema de distribuição direta.
A transformação digital e a inteligência artificial foram outros dos temas quentes do congresso, num setor que percebe a inevitabilidade da mudança mas esbarra na escassa margem de manobra financeira para investir. O futuro, avisam os especialistas, passará por uma maior diversificação de serviços, automação de processos e por um reequilíbrio urgente nas políticas de remuneração. O setor garante ser indispensável; o desafio é provar que também é viável.
PR/HN



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