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O cenário que se desenha nas urgências de pedopsiquiatria é, nas palavras de Neide Urbano, um reflexo de uma crise mais ampla. A especialista da Clínica da Juventude do Hospital de Dona Estefânia confirma que tem chegado um número crescente de adolescentes, por volta dos 15 anos, em situações de extrema fragilidade. Comportamentos autolesivos, com cortes na pele a liderarem as ocorrências não suicidárias, e intoxicações medicamentosas voluntárias representam a face mais visível do problema.
“Às vezes ainda persiste o mito de que quem fala no suicídio, não se suicida. A realidade é exatamente o contrário”, adverte a médica, sublinhando a urgência de se levarem a sério todas as manifestações de sofrimento. Muitas das raparigas que aparecem nas urgências após uma overdose já tinham histórico de autoagressões, um padrão que preocupa os clínicos. O agravamento destas situações no rescaldo da pandemia é evidente, com jovens a reportarem que o isolamento há quase cinco anos foi o ponto de partida para o seu mal-estar.
A Clínica da Juventude, que acolove adolescentes dos 13 aos 17 anos, funciona como uma barreira contra a corrente. Através de ambulatório e hospital de dia, oferece terapias de grupo como a DBT, concebida para comportamentos autolesivos. A maioria dos jovens chega-lhes encaminhada por escolas, tribunais ou comissões de proteção, raros são os que tomam a iniciativa de procurar ajuda sozinhos. As dez camas de internamento mantêm uma taxa de ocupação constantemente elevada, por vezes a cem por cento. Apesar de reconhecer investimentos recentes, Neide Urbano não esconde que as equipas de ambulatório carecem de reforços.
A solução, defende, passaria pela instituição de consultas de rotina em pedopsiquiatria, à imagem das que monitorizam o desenvolvimento físico. Uma primeira avaliação nos anos iniciais, outra perto dos 12 anos e uma terceira na adolescência poderiam funcionar como redes de segurança. No entanto, a escassez de profissionais no Serviço Nacional de Saúde complica este desiderato. “Por vezes recebemos situações que já deviam ter chegado antes, mas somos tão poucos que não conseguimos dar resposta a tudo”, admite.
O bullying e a pressão escolar emergem como fatores decisivos no sofrimento dos adolescentes. “Há miúdos que acabam a escolaridade obrigatória e deixam de ter doença mental, entre aspas. Isso mostra o peso que a escola tem para eles”, observa a psiquiatra, sugerindo a necessidade de orientar precocemente alguns jovens para percursos alternativos. A prevenção, insiste, deve começar ainda antes da conceção, notando que pais com saúde mental frágil tendem a gerar filhos com dificuldades similares.
A ULS São José assinala o Dia Mundial da Saúde Mental com uma conferência sobre “Escola e Saúde Mental”, organizada pelo Hospital Dona Estefânia.
Contactos de apoio e prevenção do suicídio:
Linha Nacional de Prevenção do Suicídio – 1411
SOS Voz Amiga 213 544 545, 912 802 669, 963 524 660
Conversa Amiga 808 237 327, 210 027 159
SOS Estudante 915 246 060, 969 554 545 ou 239 484 020.
NR/HN/Lusa



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