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HealthNews (HN) – Assinalou-se, no passado dia 20 de setembro o Dia Mundial dos Cancros Ginecológicos. Sendo o cancro do endométrio o mais frequente e o quinto mais comum entre as mulheres portuguesas, por que razão acredita que continua a ser um tema tão pouco falado entre a população?
Cláudia Fraga (CF) – O cancro do endométrio continua a ser pouco falado por haver muito desconhecimento sobre o tema e também porque ainda existe um certo tabu em torno da saúde ginecológica feminina. Menstruação, útero ou sintomas ginecológicos ainda tendem a ser vistos como assuntos privados. A verdade é que algumas mulheres sentem vergonha ou desconforto em falar destes sintomas, mesmo com profissionais de saúde. A isto junta-se o facto de os sintomas iniciais, como hemorragias irregulares, poderem ser facilmente atribuídos a outras causas, sobretudo em fases como a peri ou a pós-menopausa. A ausência de campanhas específicas sobre este tipo de cancro – ou mesmo sobre a generalidade dos cancros ginecológicos –, ao contrário do que acontece com o cancro da mama, contribui também para o desconhecimento. É precisamente por essa falta de informação que na MOG assinalamos o mês de setembro como “Setembro Roxo”, dedicado a sensibilizar a população sobre os cancros ginecológicos.
HN – O baixo conhecimento sobre a doença é apontado como um problema. De que forma é que este desconhecimento impacta negativamente o percurso das doentes, desde os primeiros sintomas até ao diagnóstico?
CF – O desconhecimento cria um efeito em cascata que prejudica toda a jornada da doente. No início, leva à desvalorização de sinais importantes: interpretar uma hemorragia como algo “normal” ou apenas associado à menopausa, adiando a procura de ajuda. Quando finalmente recorrem ao médico, a falta de informação pode dificultar a comunicação dos sintomas. Esse desconhecimento também pode alimentar a ansiedade, expectativas pouco realistas e dificuldade em compreender os procedimentos necessários. Depois do diagnóstico, ter pouca informação sobre tratamentos, prognóstico ou seguimento pode comprometer a adesão terapêutica e, consequentemente, a qualidade de vida.
HN – A MOG vai lançar o guia “O que precisa de saber sobre cancro do endométrio”, dirigido sobretudo a mulheres já diagnosticadas. Que tipo de informação e apoio concreto irão estas doentes encontrar neste novo recurso?
CF – O guia foi pensado como uma ferramenta prática e acessível. Do ponto de vista médico, explica de forma clara o que é a doença, quais os estádios, que tratamentos existem (cirurgia, radioterapia, quimioterapia, hormonoterapia) e os efeitos secundários mais comuns. Além disso, aborda aspetos do dia a dia, desde a gestão dos efeitos secundários, sexualidade e fertilidade, alimentação e atividade física. Pretendemos, por um lado, aumentar a literacia sobre este tipo de cancro e proporcionar recursos que permitam um diagnóstico o mais célere possível; e, por outro, ajudar as mulheres já diagnosticadas a percorrer este caminho com a melhor qualidade de vida possível.
HN – Um dos sintomas de alarme mais comuns é a hemorragia uterina pós-menopausa. Que mensagem gostaria de transmitir às mulheres que possam experienciar este sinal, mas que, por vergonha ou desconhecimento, hesitam em procurar ajuda médica?
CF – A mensagem é simples e não deve deixar dúvidas: qualquer hemorragia após a menopausa tem de ser avaliada por um médico, seja qual for a quantidade ou duração. Não existe hemorragia “normal” depois da menopausa. Da mesma forma, nas mulheres em idade fértil, uma menstruação abundante também deve ser comunicada ao médico.
É igualmente importante sublinhar que não há motivo para vergonha, porque os profissionais de saúde estão habituados a lidar com estas situações. Procurar ajuda cedo é essencial não só para excluir doenças graves, mas também para tratar eventuais causas benignas. E, acima de tudo, quanto mais precoce for o diagnóstico, melhores serão as opções de tratamento e o prognóstico.
HN – Qual é a importância crucial de um diagnóstico precoce, nomeadamente numa fase em que o tumor ainda está localizado, para o sucesso do tratamento e prognóstico do cancro do endométrio?
CF – O diagnóstico precoce é muito importante. Quando o cancro do endométrio é detetado numa fase inicial, em que o tumor ainda está confinado ao útero, as taxas de sucesso são elevadas. Além disso, os tratamentos tendem a ser menos agressivos, preservando melhor a qualidade de vida. Nestas situações, a cirurgia pode ser suficiente, dispensando terapias adicionais como quimioterapia ou radioterapia. Os procedimentos cirúrgicos também costumam ser menos extensos, com menor risco de complicações e recuperação mais rápida.
HN – Para além do apoio a doentes, que outras missões e objetivos define a Associação MOG – Movimento Oncológico Ginecológico no panorama da saúde em Portugal?
CF – Trabalhamos na sensibilização pública, promovendo aquilo a que chamamos “ações de proximidade”, com informação acessível junto da população em geral ou de grupos específicos. Atuamos também junto das entidades de saúde para defender melhores políticas, garantir acesso a tratamentos inovadores, bem como a serviços multidisciplinares e complementares. Em fóruns nacionais e internacionais, fazemos por dar voz às doentes e aos problemas que as afetam, contribuindo para que as políticas de saúde respondam melhor às suas necessidades reais.



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