Episiotomias são cada vez menos usadas nos partos em Portugal, indica investigação da FMUP

14 de Outubro 2025

Um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) revela que a prática de episiotomias ou cortes realizados durante o parto desceu entre 2013 e 2022, em Portugal, passando de 60% para 21% nos hospitais públicos nacionais.

“O estudo mostra que já se verifica, desde há alguns anos, uma mudança cultural e prática consistente entre profissionais, em conformidade com as recomendações internacionais que defendem o uso restritivo e individualizado deste procedimento”, lê-se no resumo do estudo que data de maio e foi publicado na revista científica International Journal of Gynecology and Obstetrics.

As episiotomias são cortes realizados durante o parto, na área vaginal e em direção ao períneo.

Este procedimento tem como finalidade alargar a abertura vaginal e facilitar a saída do bebé durante o parto vaginal, mas o uso rotineiro da episiotomia não é recomendado pelas organizações de saúde.

De acordo com a FMUP, os dados que constam do estudo agora divulgado foram recolhidos junto de todos os hospitais públicos nacionais, sendo “analisados de forma rigorosa, transparente e consistente, considerando dados de várias bases de dados oficiais, podendo ajudar a clarificar um dos temas mais discutidos de saúde obstétrica nos últimos tempos”.

Os resultados revelam que, entre 2013 e 2022, a taxa de episiotomia em partos vaginais não instrumentados caiu de 63% para 21%, nos hospitais públicos portugueses.

No entanto, essa redução terá sido acompanhada de um aumento, de 0,15% para 0,31%, de lesões raras, mas mais profundas, no períneo, com impacto na recuperação e no futuro da mulher, como lacerações perineais com atingimento do esfíncter anal.

“Este dado é essencial, pois demonstra que a decisão de recurso à episiotomia deve ponderar seriamente riscos e benefícios”, lê-se no resumo.

O recurso a episiotomias de rotina é questionado desde os anos 1980, mas passou a ser muito mais contestado em 2010, após ter sido tornado público que esta técnica era usada em mais de 70% de todos os partos vaginais realizados em Portugal.

Mais recentemente, o debate público chegou à Assembleia da República através de uma petição sobre práticas obstétricas consideradas pouco humanizadas, que veio a resultar na publicação, em março de 2025, de uma lei que penaliza hospitais e profissionais de saúde que façam episiotomias não justificadas (lei n.º 33/2025).

Não são conhecidos critérios universais objetivos para definir quando a episiotomia deve ser realizada.

Habitualmente, a decisão é tomada no momento, muitas vezes sob enorme pressão e em contextos de emergência.

Em Portugal existe um conjunto de recomendações, desde 2023, que restringem as episiotomias, no sentido de que devem ser realizadas apenas quando há necessidade de abreviar o nascimento, designadamente quando há sinais de sofrimento fetal ou quando existem sinais da iminência de uma laceração perineal complicada.

No estudo agora publicado, a equipa de investigadores da FMUP aproveita para defender a capacitação e formação dos profissionais que prestam assistência ao parto, considerando-a “essencial para assegurar que todas as mulheres recebam cuidados seguros, individualizados e efetivamente respeitosos”.

A este propósito, fonte da FMUP apontou à Lusa que esta instituição tem feito “um forte investimento na formação dos estudantes de Medicina, dos médicos internos, dos obstetras e até dos enfermeiros especialistas, que recebem treino dedicado à assistência ao parto e às técnicas de proteção do períneo no Centro de Simulação Médica da instituição”.

“Cumulativamente, a Faculdade investe ainda em investigação nesta área”, acrescentou.

O estudo foi realizado por Mariana Bandeira, Cristina Costa-Santos, Fernando Lopes, João Bernardes e Ana Reynolds, todos da FMUP, e teve o envolvimento da Unidade Local de Saúde do Alto Minho e do RISE-Health.

lusa/HN

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