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Um estudo publicado na revista Science, encabeçado por investigadores da Universidade de Harvard, defende que a folha de coca deve ser retirada da lista de estupefacientes da Convenção Única de 1961, onde figura atualmente ao lado de substâncias como a cocaína. A investigação argumenta que a planta, distinta do seu alcalóide purificado, tem uma longa história de utilização segura.
Dawson M. White, investigador de pós-doutoramento em Harvard e autor principal do trabalho, frisa que “o historial de utilização segura e a importância cultural da coca contrastam fortemente com os malefícios da cocaína purificada”. Para White, corrigir esta classificação é um passo crucial para políticas baseadas em evidências e um alinhamento com as comunidades sul-americanas. A equipa baseou-se num mosaico de disciplinas – da antropologia à bioquímica – para sustentar a tese de que a proibição global da folha carece de fundamento científico.
A questão ganha agora um palco decisivo. A Organização Mundial da Saúde está a rever o estatuto legal da coca, tendo encomendado uma análise que, segundo o comunicado, “confirma tanto a ausência de danos para a saúde causados pela folha de coca como os prejuízos concretos devido à sua proibição”. O Comité de Peritos em Toxicodependência da OMS reúne-se ainda este mês em Genebra, num encontro que Dawson White descreve como “uma rara oportunidade para a OMS e a ONU corrigirem uma classificação enraizada em preconceitos coloniais e ciência ultrapassada”.
Do outro lado do debate, ouvem-se vozes com peso político e ancestral. Ricardo Soberón Garrido, antigo responsável máximo da política de drogas no Peru, não hesita: “a folha de coca não é um narcótico, mas uma planta sagrada e nutritiva com profundas raízes culturais”. A sua desclassificação, defende, seria uma vitória para os direitos indígenas e para a ciência. Esta posição é corroborada por uma declaração recente de produtores tradicionais e representantes indígenas da Bolívia e Colômbia, que pressionam a OMS a reconhecer o valor multifacetado da planta.
Claude Guislain, antropólogo do Fundo de Conservação da Medicina Indígena, lembra que qualquer reforma deve começar por quem melhor conhece a planta. “Os povos indígenas possuem sistemas de conhecimento sofisticados que utilizam a coca para manter o equilíbrio nas suas comunidades e territórios há milénios”, afirmou. Para os autores, remover a coca da lista de controlo não é apenas uma correção de um erro histórico; é abrir a porta a investigação médica sobre os seus compostos e a novas economias sustentáveis para as regiões rurais que a cultivam. O destino de uma folha milenar poderá estar prestes a mudar nos corredores de Genebra.
NR/HN/Lusa



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