Luís Sousa: Professor Coordenador na ESSATLA, Escola Superior de saúde Atlântica

A Enfermagem de Reabilitação na mudança de paradigma nos cuidados com os cidadãos

10/16/2025

Todos os anos, a nível mundial, milhões de pessoas enfrentam desafios de saúde que exigem cuidados de reabilitação: desde crianças com deficiências congénitas, jovens vítimas de acidentes, até idosos com doenças crónicas.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada três pessoas necessitará de cuidados de reabilitação ao longo da vida, uma realidade que se vai intensificar com o envelhecimento populacional e a prevalência crescente de doenças crónicas. Neste cenário, a Enfermagem de Reabilitação (ER) assume-se como peça central. Não apenas porque apoia a recuperação funcional, mas também porque promove a autonomia, o autocuidado e a reintegração social, ajudando os cidadãos a gerir transições complexas ao longo do ciclo de vida.

A Mudança para Cuidados Centrados na Pessoa e Família

A iniciativa global Rehabilitation 2030, lançada pela OMS, tem colocado a reabilitação no centro da agenda da Cobertura Universal de Saúde. O foco é claro: sistemas integrados, informados pela evidência e centrados na pessoa. Isso significa que o cidadão deixa de ser apenas recetor de cuidados e passa a ser coprodutor do seu processo de reabilitação, com voz ativa na tomada de decisão, definição de metas, escolha de alternativas terapêuticas e avaliação de resultados.

A Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) ajuda a operacionalizar esta filosofia, traduzindo necessidades individuais, preferências e expectativas em objetivos concretos e monitorizáveis. Medidas como os PROMs (resultados reportados pela pessoa doente), FROMs (resultados reportados pela família) e os PREMs (experiência reportada pela pessoa doente) ganham peso crescente, fornecendo indicadores que refletem o que realmente importa: qualidade de vida, funcionalidade e satisfação da pessoa e família.

Liderança Transformacional: A Chave da Mudança

A centralidade da pessoa nos cuidados exige novos estilos de liderança. A evidência mostra que a liderança transformacional, baseada em motivação inspiradora, consideração individualizada e inovação, está associada a maior satisfação dos profissionais, melhores ambientes de trabalho e maior qualidade e segurança dos cuidados às pessoas e famílias. Na prática, isto significa que os enfermeiros de reabilitação, como líderes de proximidade, têm capacidade para alinhar equipa, cidadão e comunidade, criando planos de cuidados personalizados e sustentáveis. Mais do que gerir sintomas, trata-se de cocriar percursos de vida saudáveis que acrescentam qualidade de vida aos anos.

Neste contexto, a academia tem uma atuação e responsabilidade determinante. Os cursos de mestrado em Enfermagem de Reabilitação e doutoramento em Enfermagem são mais do que uma formação avançada: funcionam como incubadoras de liderança transformacional e inovação em saúde.

Existem três dimensões que permitem promover esta mudança na enfermagem de reabilitação:

  1. Currículos orientados para os cuidados centrados na pessoa e na família, Transições seguras nos níveis de cuidados, e a preparação dos futuros enfermeiros a negociar metas com cidadãos e medir resultados através de PROMs, FROMs e PREMs, que estão alinhados com os padrões de qualidade dos cuidados de enfermagem de reabilitação definidos pela Ordem dos Enfermeiros;

  2. Formação em liderança, preparando profissionais para gerir mudança, melhorar a qualidade e implementar práticas informadas pela evidência;

  3. Investigação aplicada, alinhada com a agenda global da OMS e Conselho Internacional dos Enfermeiros (ICN), sobre acesso a serviços, telereabilitação e custo-efetividade.

Além disso, cresce a tendência de envolver cidadãos e cuidadores familiares em processos educativos e de investigação, um passo essencial para garantir congruência com as dimensões cultural, ética e social. Em síntese, colocar o cidadão na centralidade dos cuidados de saúde em geral e de enfermagem de reabilitação em particular, não é apenas uma questão ética: é uma estratégia de alto valor científico, clínico e organizacional. A academia, ao formar líderes transformacionais e ao produzir investigação relevante, está a preparar as condições para sistemas de saúde mais humanizados, participativos e efetivos.

Num futuro próximo, medir o impacto da enfermagem de reabilitação não será apenas contar dias de internamento poupados ou ganhos económicos, mas sim responder a uma pergunta simples: as pessoas estão a viver melhor, com mais funcionalidade e participação social?

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