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Uma equipa de cientistas da Universidade de Tecnologia de Graz (TU Graz) e da Universidade de Regensburg está a desvendar os mecanismos biológicos que podem ligar a integridade da barreira hematoencefálica ao desenvolvimento de depressão maior, com um olhar particular nas distinções entre sexos. Sabe-se que as mulheres são diagnosticadas com esta condição com uma frequência que duplica a dos homens, um desequilíbrio cujas causas profundas continuam por esclarecer na sua totalidade. A hipótese em análise centra-se na possibilidade de a barreira que protege o cérebro de substâncias nocivas na corrente sanguínea apresentar diferenças funcionais consoante o sexo, tornando-se mais “permeável” e, assim, potencialmente facilitando o surgimento da doença.
No laboratório em Regensburg, o trabalho desenrola-se à escala microscópica, em culturas de células. Os investigadores observam de que modo os astrocytes – células com uma morfologia amplamente ramificada – e as células endoteliais – que revestem o interior dos vasos sanguíneos – cooperam num cérebro saudável e de que forma essa cooperação se altera num estado doentio. Recorrendo a uma panóplia de métodos que vão da biologia molecular à farmacogenética, a equipa alemã procura identificar os mecanismos específicos de cada tipo celular que possam estar na origem de processos depressivos.
Paralelamente, em Graz, Kerstin Lenk e a sua equipa no Instituto de Engenharia Neural pegam nos dados experimentais vindos de Regensburg e convertem-nos em modelos digitais. Criaram, por assim dizer, gémeos digitais dos astrocytes, das células endoteliais e da própria barreira hematoencefálica. Estes modelos virtuais permitem, através de simulações complexas, analisar com um detalhe inalcançável in vitro a difusão de mensageiros químicos no espaço entre células. A ambição é que a inteligência artificial consiga, mais do que processar informação, detetar padrões escondidos nos dados que apontem para assinaturas biológicas relacionadas com o sexo.
Kerstin Lenk sublinha o objetivo transversal do projeto: “Com a nossa investigação, queremos contribuir para uma compreensão mais aprofundada tanto do desenvolvimento de perturbações depressivas como dos diferentes cursos da doença em mulheres e homens”. E acrescenta, num tom que é tanto de esperança como de pragmatismo científico: “Este conhecimento abre portas para novas possibilidades de terapias mais direcionadas”.
Este projeto, financiado em consórcio pelo Fundo Científico Austríaco (FWF) e pela Deutsche Forschungsgemeinschaft alemã, insere-se num movimento mais amplo na neurociência. A variável do sexo biológico, durante demasiado tempo negligenciada, assume agora um papel central na modelação de doenças. Lenk coassinou recentemente um artigo de revisão na Nature Reviews Bioengineering que defende precisamente a incorporação sistemática destas diferenças na investigação in vitro, seja através de culturas de células estaminais, organoides ou sistemas de “órgão-num-chip”. A conjugação destes modelos físicos com simulações computacionais representa, na prática, uma nova frente de ataque para tornar a ciência biomédica mais precisa e, no limite, mais eficaz. O caminho é longo, mas estas abordagens interdisciplinares sugerem que a resposta para algumas das doenças mais complexas do cérebro poderá residir, afinal, nos seus mais elementares componentes celulares e nas suas subtis diferenças.
NR/HN/AlphaGalileo



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