Jorge Teixeira, Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária – ULS Trás-os-Montes e Alto Douro

Doentes Paliativos vs Urgência Hospitalar

10/20/2025

Os doentes em cuidados paliativos enfrentam doenças incuráveis e progressivas, frequentemente em estado avançado. O objetivo principal dos cuidados paliativos não é a cura, mas sim o alívio do sofrimento e a melhoria da qualidade de vida / controlo de sintomas. No entanto, muitos destes doentes acabam por recorrer aos serviços de urgência, muitas vezes por falta de alternativas eficazes no domicílio ou na comunidade, agravamento súbito dos sintomas (dor intensa, dispneia, náuseas, agitação), falta de apoio contínuo em casa, exaustão dos cuidadores informais, medo ou insegurança perante sintomas inesperados (morte), falta de acesso a equipas de cuidados paliativos especializados em tempo útil. O recurso ao hospital é muitas vezes evitável, resulta da ausência de uma resposta organizada e contínua fora do contexto hospitalar. O ambiente das urgências nem sempre é adequado para estes doentes, devido aos espaços sobre lotados e barulhentos, longas esperas, abordagem centrada na doença (cura) e não no conforto, falta de profissionais formados em cuidados paliativos, risco de tratamentos fúteis, que prolongam o sofrimento. O que o doente precisa é de controlar sintomas e apoio emocional, e não de exames ou internamentos prolongados. Será Solução?

  • Aumento de equipas de cuidados paliativos domiciliários, com capacidade de resposta rápida;
  • Planos antecipados de cuidados, onde o doente e a família definem, com os profissionais, o que deve ser feito em situações de agravamento;
  • Formação dos profissionais de saúde para reconhecer e gerir crises paliativas fora do hospital;
  • Melhoria da articulação entre cuidados de saúde primários, hospitalares e comunitários;
  • Disponibilização de linhas de apoio especializadas em cuidados paliativos.

O recurso às urgências por doentes paliativos é comum, mas muitas vezes desnecessário e inadequado. A falta de apoio domiciliário e de alternativas acessíveis leva ao uso de um serviço que não responde às necessidades específicas destes doentes. É essencial reforçar os cuidados paliativos na comunidade, promover planos antecipados de cuidados e capacitar os profissionais para garantir um fim de vida com dignidade, conforto e respeito pela vontade do doente.

As urgências não são lugar para morrer. Há pessoas ali que não deveriam estar. Não porque os seus problemas não sejam sérios, mas porque aquilo que mais precisam não se encontra ali. Estou a falar dos doentes em fim de vida, dos que já não esperam cura, mas apenas dignidade, conforto e paz. Chegam em macas, ansiosos, com dor, sem ar, muitas vezes confusos. Chegam porque os sintomas agudizaram de forma repentina, ou porque os cuidadores familiares exaustos, já não sabiam o que fazer. O medo do sofrimento, a impotência, o desejo de fazer “algo” leva-os à única porta que parece estar sempre aberta: o hospital.

O Serviço de Urgência é para estabilizar, diagnosticar, intervir rapidamente. Esse ambiente é, muitas vezes, violento – pelas luzes, os ruídos, a espera, os   procedimentos invasivos e, sobretudo, pela ausência de uma abordagem centrada na pessoa. Há algo profundamente errado quando alguém que está a viver os últimos dias ou semanas da sua vida tem de recorrer às urgências para que lhe aliviem a dor ou o medo. Não deveria ser assim. Esses cuidados deviam estar disponíveis em casa, junto da família, com profissionais que conhecem o doente e o seu percurso. Devia haver uma equipa que atende o telefone a qualquer hora, que se desloca quando necessário, que sabe quando não fazer mais é, na verdade, fazer tudo. Infelizmente, esse apoio ainda é escasso ou inexistente. Os cuidados paliativos continuam a ser vistos como uma exceção, quando deveriam ser uma resposta básica, universal e integrada no sistema de saúde. Falta formação, falta organização, falta vontade política. E, acima de tudo, falta coragem para falar sobre a morte. Continuamos a evitá-la, a escondê-la, como se fosse um fracasso. Mas a morte é parte da vida. E quando chega, o mínimo que podemos fazer é garantir que aconteça com dignidade, sem sofrimento desnecessário, no local escolhido e com o apoio certo. É urgente garantir que nenhum doente tenha de enfrentar o fim da vida numa maca de urgência, rodeado de estranhos, sem conforto, sem privacidade e, muitas vezes, sem sequer ser compreendido. Porque merecemos e podemos morrer com dignidade.

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