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HealthNews (HM) – A fibrose pulmonar é frequentemente descrita como uma doença “silenciosa”. Quais são os sintomas principais aos quais os médicos de família e a população em geral devem estar mais atentos?
Pedro Gonçalo Ferreira (PGF) – Mais frequentemente, os casos de doença intersticial fibrótica pulmonar têm uma apresentação insidiosa e lentamente progressiva, o que facilita a subpercepção dos mesmos ou a sua incorreta atribuição a outros fatores (por exemplo: “a velhice está a apanhar-me”… “é porque ando a dormir pior”… “esta tosse é de uma gripe mal curada” … “a tosse é só do tabaco”, etc…). Os principais sintomas e sinais de alerta podem resumir-se aos seguintes: falta de ar com o esforço e para tarefas progressivamente menores; a fadiga persistente sem explicação; a presença de tosse, habitualmente seca e persistindo para lá das oito semanas; e, ainda, a perda de peso sem causa óbvia, evidente em 15-20% dos casos de fibrose pulmonar. Em termos de exame médico imediato, um achado à auscultação pulmonar que pode ser de valioso auxílio são os chamados fervores com tonalidade em “fecho de velcro”.
HN – Um dos grandes desafios sublinhados é a dificuldade e o atraso no diagnóstico. Em que medida a “inespecificidade” dos sintomas contribui para este problema e como pode ser ultrapassado?
PGF – De facto, um dos maiores problemas identificado pelos médicos que lidam mais de perto com este tipo de doenças é o atraso diagnóstico. Apesar de existirem casos diagnosticados de forma atempada e até em fase precoce, a grande maioria dos doentes apresenta um tempo de evolução sintomática muito acima do desejável no momento do diagnóstico. Por exemplo, na Fibrose Pulmonar Idiopática, há estudos demonstrando um atraso diagnóstico médio em redor dos dois anos.
Concorrem para isto dois fatores principais: a desvalorização ou subvalorização dos sintomas pelos próprios doentes, que frequentemente os atribuem de forma equivocada a outros fatores; e a inespecificidade intrínseca desses sintomas. Com efeito, o cansaço ao esforço e a tosse, por exemplo, são manifestações que podem surgir em diversas doenças respiratórias (algumas até mais frequentes, como a asma ou a doença pulmonar obstrutiva crónica) e, eventualmente, em doenças não respiratórias, como insuficiência cardíaca, descondicionamento físico, doença de refluxo, entre outras.
Sobretudo quando falamos de faixas etárias a partir dos 60 anos e perante determinados perfis de risco acrescido para doença fibrótica pulmonar (tabagismo ativo ou prévio; doenças reumatológicas; exposições inalatórias a aves, bolores, poeiras minerais; familiares com fibrose pulmonar), a chave passa pela promoção de uma maior suspeição diagnóstica por parte do médico família, que desempenha um papel crucial no processo de deteção e referenciação. Nesse contexto, a possibilitação do acesso precoce a uma tomografia computorizada de alta resolução é determinante. Para o doente, é decisivo compreender que, “se os sintomas estão cá, tenho mesmo que ser investigado”, evitando atribuí-los a fatores que lhe pareçam enganadoramente mais lógicos, sob pena de atrasar a procura de avaliação médica.
HN – A fibrose pulmonar pode advir de várias causas. Pode explicar de forma sucinta a diferença entre os casos com uma causa identificável (como ambientais ou autoimunes) e os casos idiopáticos?
PGF – A fibrose pulmonar não consiste numa única doença, mas sim num coletivo de doenças diferentes, embora algumas entidades partilhem várias semelhanças. Podemos diferenciar um grupo de doenças pulmonares fibróticas com uma causa identificável, que pode incluir: envolvimento pulmonar por doenças reumatológicas (como artrite reumatóide, esclerose sistémica, lúpus) ou vasculites; doenças secundárias ao tabagismo ou à inalação de determinadas poeiras orgânicas (por exemplo, contacto com aves ou espaços habitacionais contaminados com bolor), poeiras minerais ou metais; formas de fibrose pulmonar decorrentes de toxicidade à toma de certos medicamentos, a quimioterapia ou até radioterapia prévias; e, ainda, formas relacionadas à presença de determinadas mutações genéticas que, por transmissão mendeliana, podem levar ao desenvolvimento de vários casos de fibrose pulmonar dentro da mesma família (“fibrose familiar”).
Por outro lado, reconhece-se um outro grupo de doenças pulmonares fibróticas denominadas de “idiopáticas”, precisamente porque não existe sobre essas uma compreensão mecanística global ou satisfatória, mesmo que sejam conhecidos alguns fatores de risco. A mais emblemática neste grupo é a Fibrose Pulmonar Idiopática, que, de longe, é a entidade que tem colhido maior atenção investigacional, embora continue a apresentar um prognóstico preocupante.
HN – Sendo a doença perspetivada como irreversível, qual é, na prática, o objetivo principal do tratamento e da intervenção clínica precoce?
PGF – O envolvimento pulmonar fibrótico é geralmente irreversível e, perante muitas dessas doenças, o objetivo do tratamento passa pela tentativa de estabilização da doença ou, pelo menos, a lentificação da sua progressão, de forma a preservar a qualidade de vida e minorar os sintomas debilitantes.
HN – A campanha “Os sintomas estão à vista de todos. Identifique-os” tem como um dos grandes objetivos aumentar a literacia em saúde. De que forma é que uma maior consciencialização pública pode efetivamente mudar o curso da doença?
Indubitavelmente, educar os doentes para a importância de valorizarem precocemente estas queixas fará uma diferença crucial em termos de mitigação do atraso diagnóstico. A consciencialização pública é também fundamental para evitar exposição a alguns fatores modificáveis que aumentam o risco de desenvolvimento de determinados tipos de fibrose pulmonar.
HN – Recentemente, foi criado o Núcleo das Doenças do Interstício Pulmonar pela Associação Respira. Qual é a importância prática de um grupo de apoio como este para os doentes e suas famílias, para além do acompanhamento médico?
PGF – A criação pela RESPIRA do núcleo de doentes com doenças do interstício pulmonar foi um passo sólido de grande complementaridade no suporte aos doentes (e famílias) afetados por estas patologias em Portugal.
Passar a existir um espaço para estes doentes partilharem experiências com pessoas que enfrentam desafios similares é extremamente positivo. Permitirá auxiliar o processo de adaptação ao diagnóstico, as adaptações do estilo de vida, o conhecimento sobre direitos e apoios disponíveis e, seguramente, promoverá um espaço seguro para expressar medos e ansiedades.
Prevejo, também, vantagens em termos de esclarecimento de dúvidas em linguagem não técnica e construção de uma voz coletiva que ajudará à sensibilização pública para estas doenças e, junto dos decisores políticos, à melhoria do acesso a cuidados e tratamentos.
Facilitará também a aproximação colaborativa da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e de outras Sociedades em termos de intervenção educativa e pontes colaborativas para iniciativas futuras.
HN – O primeiro encontro do núcleo é apresentado como um momento de “escuta, partilha e empoderamento”. Como é que dar “voz” aos doentes contribui para encontrar melhores caminhos e soluções no manejo desta doença?
Dar “voz” aos doentes permite compreender melhor as suas necessidades e dificuldades reais, facilitando a criação de estratégias mais ajustadas aos mesmos. Este envolvimento fortalece a autoestima, a autonomia e a noção de maior controlo e confiança na gestão da sua própria saúde e tratamento.



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