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A rotina matinal na receção central do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, decorria com uma aparente normalidade que não escondia completamente os efeitos da greve da Função Pública. Pouco depois das 10:00, uma dezena de pessoas aguardava pela sua vez, mas o ritmo a que os nomes eram chamados parecia arrastar-se mais do que é habitual. A paralisação, que afetaria sobretudo a atividade programada do setor da Saúde, como consultas e cirurgias, manifestava-se de forma irregular nos diversos serviços.
Contrariando expetativas iniciais, várias especialidades mantinham atividade. Utentes que passaram pela Endocrinologia, Pediatria e Estomatologia confirmaram a realização das suas consultas. “Na pediatria estavam os médicos e houve consulta”, afirmou uma mulher, já à saída, acompanhada da filha. A mesma situação foi testemunhada na consulta da tiroide. Uma doente explicou, no entanto, que a greve se fazia notar noutra frente: sentia-se a falta de pessoal auxiliar. A incerteza pairou sobre outros, como um utente que confessou à Lusa a sua descrença em relação à consulta de Gastrenterologia a que tinha marcada, embora, paralelamente, na Estomatologia, o funcionamento prosseguia sem sobressaltos.
Fora do hospital, o tom era substancialmente diferente. Tânia Russo, dirigente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), expressou aos jornalistas a expectativa de uma adesão “muito expressiva em todo o país” à greve. As declarações da sindicalista centraram-se nas críticas ao Governo, acusando-o de afastar os médicos e de levar ao encerramento de serviços, o que, na sua opinião, coloca em risco os doentes. “O Governo não tem querido negociar com a FNAM, não tem ouvido a FNAM. As supostas negociações não passam de uma farsa deste Ministério, em que não há uma verdadeira intenção de negociar”, afirmou, com dureza.
Russo detalhou um incidente específico que terá ocorrido durante a última reunião sobre os serviços de urgência, na qual, segundo a sua versão, não foram entregues aos sindicatos os documentos com as propostas governamentais. Quando a informação chegou, uma semana mais tarde, o conteúdo não corresponderia ao que foi analisado com a tutela. “Aquilo que foi enviado é diferente, não contempla algumas questões que foram faladas e que estavam anunciadas pela ministra, como o suplemento de 500 euros para a deslocação, que ainda assim seria insuficiente”, lamentou. Um dos pontos de atrito é a possibilidade de o Governo vir a “impor a deslocação forçada dos médicos até 60 quilómetros”. Para a dirigente, forçar estas deslocações para cobrir urgências pode precipitar a saída de mais profissionais do Serviço Nacional de Saúde e comprometer o acesso da população aos cuidados de saúde, defendendo que a medida deveria assentar sempre no voluntariado.
A greve de 24 horas da Frente Comum, que começou à meia-noite, tem como pano de fundo o descontentamento com as condições de trabalho e o que os sindicatos classificam como um desinvestimento nos serviços públicos. Para além do setor da Saúde, a paralisação contava com a adesão esperada de professores, educadores, auxiliares de ação educativa, trabalhadores dos transportes públicos, inspetores e funcionários do Fisco e funcionários judiciais. O aumento salarial, a valorização das carreiras e a reposição do vínculo público constituem as reivindicações de base da protesto.
NR/HN/Lusa



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