Mário André Macedo Enfermeiro e Gestor Público

Desinvestimento no Orçamento de Estado Saúde 2026

10/26/2025

Há muito que vários comentadores, nos quais humildemente me coloco, temos alertado para a disfuncionalidade da organização da força de trabalho na saúde. O serviço público deixou de tentar contratar e reter os profissionais de que precisa, recorrendo antes à prestação de serviços de médicos nas urgências. Um sistema que é simultaneamente mais caro, oferece menos qualidade e garantias. Nunca se compreendeu a insistência e investimento neste modelo.

Felizmente a ministra reconheceu o erro. Fê-lo bastante tarde, mas reconheceu. Contudo, quando julgávamos que as palavras teriam consequências, o Orçamento de Estado para 2026 trouxe um balde de água fria. A verba orçamental da rubrica das despesas com pessoal aumenta muito ligeiramente. Apenas o suficiente para as atualizações salariais e as progressões decorrentes das avaliações de desempenho.

Precisávamos de um sinal, de um esforço para contratar e reter os profissionais necessários para aumentar o acesso, a segurança e a qualidade dos cuidados prestados. Em vez disso, em vez de uma mudança profunda de paradigma, tudo ficará sensivelmente na mesma.

Mas ficar sensivelmente na mesma é negativo. Significa a manutenção do subfinanciamento crónico da saúde, indefinição sobre o futuro organizacional e uma deficiente definição de prioridades.

A proposta de Orçamento de Estado trouxe outro erro difícil de compreender: a redução de 10% para a aquisição de bens e serviços. São mais de 800 milhões de euros que foram retirados de uma das rúbricas-chave da despesa, precisamente a verba que cobre a compra de medicamentos, dispositivos médicos como seringas ou pacemakers, e serviços como informática ou limpeza.

O corte é demasiado brusco e demasiado rápido. Das duas uma: ou o subfinanciamento se irá agravar para níveis insustentáveis, condicionando toda a operação do dia a dia do serviço público de saúde, ou, estamos perante um sinal dado pelo governo para reduzir a produção de cuidados de saúde. Seja qual for a alternativa, não se compreende a decisão, especialmente quando se relembra que a própria ministra reconheceu e concordou com o diagnóstico efetuado, prometendo inverter o curso dos acontecimentos.

Por fim, é importante relembrar a questão do investimento. Um eterno problema não só da saúde, mas de todo o Estado nos últimos anos. O documento apresentado na Assembleia da República propõe um valor de 860 milhões de euros para esta rúbrica. Nos últimos anos, a execução do investimento rondou apenas os 40%. Demasiado pouco para as necessidades urgentes que vivemos.

Se os últimos anos servirem de modelo para 2026, o investimento executado saldar-se-á por meros 400 milhões de euros. Precisamos de novos hospitais, equipamentos médicos pesados, sistemas informáticos modernos e obras de melhoria nos serviços. Infelizmente, não será o próximo ano que trará esses benefícios.

Para quem alega, que apesar de tudo, a proposta de orçamento para a saúde em 2026 contempla um aumento 1,5%, é importante relembrar que este valor é inferior à previsão oficial da inflação para o próximo ano. Em termos reais, estamos perante um desinvestimento na saúde, a primeira vez que tal ocorre desde a troika.

O documento ainda não foi aprovado e passará agora por um período de escrutínio e discussão na Assembleia da República. O SNS tem batido recordes de produção, ano após ano desde 2019. O próximo ano não pode ser exceção. Não há nada que o impeça e é esse o desejo de todos os profissionais que trabalham no serviço público de saúde. O Orçamento de Estado não pode falhar e tem de sinalizar essa ambição.

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Genéricos Facilitam Acesso e Economizam 62 Milhões ao SNS em 2025

A utilização de medicamentos genéricos orais para o tratamento da diabetes permitiu uma poupança de 1,4 mil milhões de euros ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) nos últimos 15 anos. Só em 2025, a poupança ultrapassou os 62 milhões de euros, segundo dados divulgados pela Associação Portuguesa de Medicamentos pela Equidade em Saúde (Equalmed) no Dia Mundial da Diabetes.

APDP denuncia falhas na aplicação do direito ao esquecimento para pessoas com diabetes

No Dia Mundial da Diabetes, a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal alerta que a Lei do Direito ao Esquecimento não está a ser cumprida na prática. A associação recebe queixas de discriminação no acesso a seguros e crédito, defendendo que a condição clínica não pode ser um obstáculo à realização pessoal e profissional. A regulamentação da lei está em fase de auscultação pública, mas persiste o receio de que não garanta plena equidade.

NOVA Medical School cria programa de culinária para jovens diabéticos

A NOVA Medical School avança em janeiro de 2026 com um programa gratuito de literacia alimentar para jovens entre os 14 e os 18 anos com diabetes tipo 1. A iniciativa, desenvolvida em parceria com a Unidade Local de Saúde de São José, combina formação em kitchen lab, investigação clínica e estratégias de gestão autónoma da doença, visando reduzir a ansiedade e melhorar a qualidade de vida dos participantes

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights