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A política da impaciência
A pergunta que deveríamos fazer, antes de qualquer outra, é simples:
o que ganhamos com cada programa de saúde pública?
E, no entanto, raramente ela encontra resposta. E isso diz mais sobre nós – sobre a nossa cultura política e sobre os rituais de poder – do que sobre os programas em si.
Imagine-se como ministro da Saúde, sentado na pesada cadeira de um gabinete onde os relógios marcam o tempo de forma cruel. À sua frente, uma legislatura de quatro anos – talvez menos, se a conjuntura mudar, se o governo cair, se a maré política se inverter. Nas suas mãos, uma lista de promessas eleitorais, expectativas públicas, manchetes ainda por escrever. O ambiente é de urgência. Há pressão para mostrar serviço. Rápido.
E então chega a escolha. Duas intervenções, ambas legítimas.
- A primeira: um programa de prevenção da obesidade infantil, com medidas estruturais de longo alcance – mudanças nas cantinas escolares, formação para professores, campanhas dirigidas aos pais. Impacto esperado? Redução de doenças crónicas… daqui a dez, quinze anos.
- A segunda: a contratação de mais médicos. Redução imediata das listas de espera, fotografias em hospitais, resultados visíveis no próximo ciclo eleitoral.
A escolha parece quase forçada, não porque o ministro seja irresponsável ou insensível ao futuro, mas porque o sistema político recompensa o imediato e ignora o diferido.
A prevenção vive num tempo longo, paciente, cumulativo, enquanto os ciclos políticos são curtos, impacientes e profundamente visuais. Querem números rápidos, histórias com rostos, ações que possam ser comunicadas em conferência de imprensa.
É aqui que se instala a tensão estrutural: investir hoje para colher apenas no mandato seguinte – ou, mais provavelmente, para que outros colham. Não surpreende que tantas intervenções preventivas fiquem a meio caminho ou nem sequer saiam do papel. O primeiro grande entrave à prevenção é esta impaciência institucionalizada.
Mas o problema não é apenas o tempo. É também a ausência de uma cultura de responsabilização.
Nos hospitais, a lógica é clara: se as listas de espera crescem, o administrador é pressionado; se as taxas de infeção sobem, há consequências. Os indicadores são públicos, as metas conhecidas.
Mas na prevenção reina o vazio. São raros os programas que começam com objetivos mensuráveis – como reduzir o consumo nocivo de álcool em vinte por cento ao longo de uma década. E quando não há metas, não há como julgar eficácia. Sem eficácia demonstrada, não há prestação de contas. E sem prestação de contas, não há consequências – nem positivas, nem negativas.
A prevenção habita, assim, um território estranho: não é punida se falhar, nem recompensada se tiver sucesso.
No discurso político, todos a valorizam; é sempre “prioridade estratégica”. Mas na prática, vive à margem dos mecanismos de controlo que regem o resto do sistema de saúde. É como navio sem leme: ninguém o conduz com firmeza, ninguém responde pelo seu rumo. E deriva – lenta, discretamente – até desaparecer do mapa.
A verdade é que o sistema político, tal como está desenhado, não foi feito para premiar o que não se vê. E, por isso mesmo, a prevenção exige mais do que técnica. Exige coragem institucional para resistir à urgência do agora. Exige consensos de responsabilidade que alinhem metas públicas com resultados reais. E exige, acima de tudo, um pacto silencioso mas firme: investir hoje, mesmo que os aplausos só cheguem amanhã.


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