APDH/2025: Debate sobre o Sistema de Saúde Português: Passado, Presente e Rumo a 2030

28 de Outubro 2025

No Painel 1 da Conferência APDH 2025, especialistas debateram o futuro do SNS até 2030, equilibrando otimismo pelos progressos com um alerta para a necessidade de reformas estruturais em financiamento, recursos humanos e digitalização.

No dia 28 de outubro de 2025, no Auditório da Polícia Judiciária de Lisboa, realizou-se no âmbito da Conferência APDH 2025 – Saúde Odisseia, integrada na 18.ª Edição do Prémio de Boas Práticas em Saúde, o Painel “O Itinerário do Sistema de Saúde até 2030”. A moderação esteve a cargo de Vitor Ramos, Presidente do Conselho Nacional de Saúde, e contou com as intervenções de Céu Mateus, Professora Catedrática de Economia da Saúde na Universidade de Lancaster, e de Adalberto Campos Fernandes, Professor da ENSP NOVA e antigo Ministro da Saúde.

O painel iniciou com uma reflexão abrangente sobre o estado do sistema de saúde português, o seu percurso e os desafios que se colocam para a próxima década. Adalberto Campos Fernandes abriu a sua intervenção com uma nota de otimismo, contrariando a narrativa de que o sistema de saúde português está em colapso. Destacou os notáveis progressos alcançados nas últimas décadas, como a redução drástica da mortalidade infantil, o aumento da esperança média de vida para valores próximos dos países mais desenvolvidos e a excelente performance global do sistema quando comparado internacionalmente, considerando os recursos investidos. Salientou a elevada qualidade da formação dos profissionais de saúde nacionais, reconhecida internacionalmente, e a atração que estes exercem no estrangeiro, um fenómeno que não é exclusivo de Portugal, mas sim um desafio europeu relacionado com a escassez global de profissionais e as exigentes condições de formação e carreira.

No entanto, apontou problemas estruturais profundos. Criticou a cultura do improviso e a falta de planeamento de médio e longo prazo, que leva a uma gestão financeira oscilante e pouco previsível. A excessiva burocracia e centralização foram apontadas como entraves à eficiência, com exemplos como a criação de estruturas administrativas pesadas que, paradoxalmente, retiram autonomia às instituições locais. A existência de despesas diretas elevadas por parte das famílias foi denunciada como um grave problema de equidade, ilustrando que uma família média pode gastar anualmente milhares de euros em saúde, uma situação considerada obscena e que revela uma fronteira ténue entre a equidade e a injustiça social.

Abordou a complexa questão dos recursos humanos, defendendo que não há uma falta generalizada de médicos, mas sim carências em especialidades específicas, problemas de mobilidade profissional e uma má distribuição geográfica. Criticou as narrativas que alimentam uma perceção de catástrofe, defendendo que é necessário um diagnóstico rigoroso e baseado em evidências. Para o futuro, defendeu a necessidade de plasticidade no pensamento estratégico, evitando os fundamentalismos de que o sistema deve ser totalmente público ou totalmente financiador. Advogou por uma maior colaboração entre os setores público e privado, desde que devidamente regulada, para garantir que o cidadão tem acesso a cuidados em tempo útil, independentemente do prestador. A aposta na transformação digital, no registo de saúde eletrónico e no empoderamento do cidadão, vendo-o como um codecisor no seu percurso de saúde, foram apontados como vetores essenciais para a eficiência futura. Concluiu com um apelo aos mais jovens para que olhem para o futuro com otimismo e uma atitude reformista, preservando os princípios fundamentais do sistema, mas adaptando-o às novas realidades.

A intervenção de Céu Mateus, a partir da sua perspetiva internacional de economia da saúde, complementou esta visão. Salientou que o financiamento é um pilar indispensável para a sustentabilidade do sistema, mas que a sua alocação deve ser inteligente e orientada para a eficiência e efetividade. Utilizou o exemplo do sistema do Reino Unido, que, apesar de ser totalmente público, enfrenta sérias dificuldades, e o dos Estados Unidos, que, apesar dos elevadíssimos gastos, produz maus resultados globais de saúde, beneficiando apenas aqueles com capacidade económica. Esta análise serviu para sublinhar que não existe um modelo perfeito e que a solução passa por encontrar um equilíbrio entre financiamento adequado e uma gestão eficaz dos recursos. Abordou também a questão da retenção de profissionais, identificando que para além de questões salariais, é crucial melhorar as condições de trabalho, reduzir a burocracia e oferecer perspetivas de carreira. Criticou o modelo de tarefeiros, considerando-o prejudicial para a relação médico-doente e para a continuidade dos cuidados.

Vitor Ramos, na moderação, conduziu o debate sublinhando a necessidade de pensar estrategicamente e de mudar os métodos de ação para evitar o improviso. Foi realçada a importância de estudar mais e de aprender com a memória das reformas passadas, evitando repetir erros e desperdiçar recursos e esperança. A discussão encerrou com uma mensagem de que é possível e desejável melhorar o sistema, apostando na avaliação independente, na evidência e na coragem política para implementar as reformas necessárias, sempre com o foco no cidadão e no imperativo constitucional de garantir cuidados de saúde universais e de qualidade a todos os portugueses.

RE/HN

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