Helena Jardim : Experiência Histórica das UCFs na Saúde Materno-Infantil

29 de Outubro 2025

Helena Jardim revisitou o modelo pioneiro das UCFs, mostrando como a articulação entre níveis de cuidado foi decisiva para os históricos ganhos na saúde de mães e crianças em Portugal

A intervenção da Professora Doutora Helena Jardim foi uma verdadeira aula sobre a história e a eficácia da integração de cuidados em Portugal, centrada no modelo das Unidades Coordenadoras Funcionais (UCF) da Saúde da Mulher e da Criança. Iniciou por contextualizar a integração como a “palavra-chave para os cuidados de saúde do século XXI”, citando a Organização Mundial da Saúde (OMS) que a define como a gestão de serviços de saúde baseada num contínuo de prevenção e tratamento, através de diferentes níveis de cuidados.

O modelo das UCFs, institucionalizado em 1991 (há 34 anos), foi apresentado como um “bom modelo e antigo” de integração. Jardim explicou que estas unidades, primeiro focadas na saúde materna e neonatal e depois alargadas à criança e adolescente, foram a resposta política a indicadores de saúde “pouco desejáveis” no Portugal pós-25 de Abril. Em 1974, a mortalidade infantil rondava os 37,9‰ e a mortalidade materna era de 40 mulheres por 100.000 nados-vivos. Estes números dramáticos levaram a que, sob a influência de Albino Aroso, a área se tornasse uma prioridade política, culminando na criação da primeira Comissão Nacional de Saúde da Mulher e Neonatal em 1989 e, posteriormente, nas UCFs.

A oradora detalhou as competências gerais das UCFs, que passavam pela promoção do acesso aos cuidados, cooperação entre profissionais, cumprimento das normas da DGS, circulação de informação clínica (através dos boletins de saúde da grávida e infantil), monitorização de indicadores, identificação de problemas locais e articulação crucial com a comunidade, autarquias e IPSS. Em 2007, a ARS Norte iniciou um processo de reestruturação e revitalização das UCFs, que incluía o apoio explícito da administração, a nomeação formal de todos os seus elementos (com coordenadores sendo os diretores de serviço do hospital e do ACES), a agilização de vias de comunicação e a realização de uma reunião magna anual.

Helena Jardim destacou como as UCFs foram instrumentais na implementação de uma série de projetos e programas nacionais, funcionando como braço executivo no terreno. Entre eles estiveram a Ação de Saúde para Crianças e Jovens em Risco, a criação de Núcleos de Apoio a Crianças e Jovens em Risco, a operacionalização do Sistema Nacional de Intervenção Precoce (em articulação com a Saúde, Segurança Social e Educação), a contabilização de crianças com necessidades de saúde complexas e a própria montagem da Urgência Pediátrica Metropolitana do Porto, que conta com 27 anos de atividade.

A apresentação foi ilustrada com dados que comprovam o sucesso deste modelo integrado: a mortalidade infantil na região Norte aproximou-se e acompanhou a média nacional, que é hoje uma das mais baixas do mundo (à volta de 2,5‰), e a mortalidade materna reduziu-se para valores igualmente muito baixos (2,5 por 100.000). A OMS atribuiu estes bons resultados precisamente à “grande articulação de cuidados entre cuidados primários e cuidados hospitalares”.

Contudo, a oradora não deixou de referir pontos fracos e constrangimentos reportados pelas próprias UCFs, como a falta de visibilidade e reconhecimento institucional dentro das estruturas hospitalares e de cuidados primários. Para Jardim, a integração é um caminho difícil, mas indispensável, assente na motivação das pessoas. Quando os profissionais veem o benefício para os seus doentes, envolvem-se e cumprem em equipa, sendo este o fator humano o mais crítico para o sucesso. A sua intervenção terminou com a nota de que a integração requer definição clara de objetivos, métodos e avaliação de resultados, sempre com o doente no centro.

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