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A linha telefónica que acolhe os desabafos e os pedidos de ajuda de crianças e jovens regista números que espelham um mal-estar crescente. Os apelos relacionados com pensamentos suicidas e ações autolesivas duplicaram, segundo dados do Instituto de Apoio à Criança, que gere este serviço.
Só este ano, e faltando ainda três meses para o seu termo, a Linha SOS Criança e Jovem já contabilizou 95 situações deste tipo, um salto face às 47 registadas em todo o ano de 2024. Uma trajectória que preocupa os técnicos. “Temos mais jovens a entrar em contacto connosco”, confirma Maria João Cosme, coordenadora-adjunta do SOS Criança. A responsável traça um retrato de uma geração mais à vontade a escrever do que a falar. O WhatsApp, essa ferramenta omnipresente, tornou-se a tábua de salvação preferencial para muitos. Nos últimos dois meses, os contactos por esta via ultrapassaram sempre a centena, quando no início do ano a média era de 25.
Maria João Cosme não tem dúvidas de que o isolamento e o uso excessivo de ecrãs pesam nesta equação, ainda que admita que o próprio lançamento do serviço no WhatsApp explique, em parte, a subida. “No WhatsApp temos mais adolescentes a entrar em contacto connosco e as temáticas versam mais sobre a depressão, a ideação suicida e o isolamento”, descreve. Uma mudança de paradigma em relação a 2020, altura em que a violência e os maus-tratos dominavam as chamadas. A pandemia de covid-19 parece ter funcionado como um rastilho, desviando o foco para a saúde mental.
Os números totais da linha espelham esta tendência: de 2.268 contactos em 2020, passou-se para 2.450 no ano passado e já se contam 2.522 em 2025. A coordenadora evita, no entanto, leituras simplistas. “Pode efetivamente haver um aumento de casos, porque a covid teve um impacto negativo na saúde mental, mas acredito que também tem a ver com a própria dinamização e divulgação dos nossos serviços”, pondera. E adverte: não se pode fazer uma extrapolação direta entre o número de contactos e os casos em risco, já que por vezes são os mesmos jovens a procurar ajuda repetidamente.
Este cenário não surge isolado. A psicóloga Tânia Gaspar já tinha alertado para a prevalência de comportamentos autolesivos, que afectam um em cada quatro jovens em Portugal. “Crianças e jovens – e cada vez mais cedo – começam a ter comportamentos autolesivos, com ou sem objetivo suicidário, para lidar com o sofrimento psicológico”, explicou. A investigadora sublinha que os sintomas não são uniformes. Alguns jovens isolam-se, outros mantêm uma vida social aparentemente normal, o que complica a deteção precoce.
Já a pedopsiquiatra Neide Urbano, da Clínica da Juventude do Hospital de Dona Estefânia, confirmou um aumento de adolescentes nas urgências por autoagressões ou tentativas de suicídio. Os casos mais frequentes de autoagressão não suicidária envolvem cortes, enquanto as intoxicações medicamentosas voluntárias lideram nas situações de maior risco. A especialista defende a implementação de consultas de rotina de pedopsiquiatria para identificar sinais de alerta atempadamente.
Perante este panorama, o Instituto de Apoio à Criança considera premente colocar a saúde mental das crianças e jovens no topo das prioridades das políticas públicas e da escola, garantindo meios para identificar o sofrimento e dar respostas concretas. A Linha SOS Criança e Jovem, acessível através do número 116 111, mantém-se como um dos recursos disponíveis, oferecendo acompanhamento psicológico, social e jurídico.
Outros contactos de apoio:
Linha Nacional de Prevenção do Suicídio – 1411
SOS Voz Amiga – 213 544 545, 912 802 669, 963 524 660
Conversa Amiga – 808 237 327, 210 027 159
SOS Estudante – 915 246 060, 969 554 545 ou 239 484 020.
NR/HN/Lusa



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