Estudo visualiza desvios no desenvolvimento cerebral em encefalopatia pediátrica rara

1 de Novembro 2025

Uma equipa da VIB-UAntwerp visualizou, num modelo animal, como uma encefalopatia rara altera o desenvolvimento das redes cerebrais. As mudanças funcionais surgem muito antes dos sintomas comportamentais, abrindo caminho a intervenções mais precoces

Um novo estudo de imagiologia conseguiu mapear, pela primeira vez de forma longitudinal, como o desenvolvimento das redes cerebrais é desviado do seu curso normal numa encefalopatia desenvolvimental e epilética pediátrica rara. A investigação, conduzida no Centro VIB de Neurologia Molecular da Universidade de Antuérpia, focou-se na síndrome relacionada com o gene KCNQ2, uma condição severa que se manifesta com crises epiléticas nos primeiros dias de vida de um recém-nascido.

A equipa, liderada pela neurologista e investigadora principal Sarah Weckhuysen, seguiu ao longo do tempo o desenvolvimento cerebral em ratinhos portadores da mesma mutação genética que nos humanos provoca a encefalopatia KCNQ2. Através de uma combinação de ressonância magnética (MRI) e tomografia por emissão de positrões (PET), os cientistas procuraram assinaturas da doença na arquitetura e no funcionamento do cérebro.

O que observaram desafia uma perceção mais óbvia. As alterações mais precoces e significativas não foram de ordem estrutural – o cérebro aparentava estar a construir-se fisicamente de forma normal –, mas sim funcionais. O problema reside na forma como as diferentes regiões do cérebro comunicam entre si e estabelecem ligações, um diálogo interno que fica profundamente perturbado. Este padrão de desorganização funcional, nota-se, é semelhante ao que os cientistas documentam noutras condições do neurodesenvolvimento, como o autismo ou a esquizofrenia, sugerindo que falhas em canais iónicos, como o de potássio KCNQ2, podem ser um mecanismo comum para perturbar a maturação de circuitos neuronais complexos.

Um dado que sobressaiu com clareza foi a precocidade destas alterações. As disfunções nas redes cerebrais eram já detetáveis num período que antecede, e por vezes por largamente, o aparecimento de quaisquer sintomas comportamentais ou crises epiléticas. Isto indica que a mutação no gene KCNQ2 não é apenas responsável por desencadear atividade convulsiva, mas atua como um fator de interferência ativa no próprio processo de “fiação” do cérebro, desviando-o do seu programa típico.

“Ao visualizar como o cérebro se desenvolve, obtivemos uma visão mais clara de como esta doença progride”, comenta Sarah Weckhuysen. “Isto pode ajudar-nos a determinar quando e onde os tratamentos precoces poderão ser mais eficazes.” A neurologista, que há anos estuda os mecanismos biológicos das encefalopatias relacionadas com o KCNQ2, sublinha a importância crítica de perceber o momento e o modo como estas disrupções começam para se poderem conceber intervenções que vão além do mero controlo das crises. Em trabalhos anteriores, o seu laboratório já havia identificado um antigo composto antipsicótico como um modulador potencial dos mesmos canais de potássio envolvidos na doença.

O caminho para uma aplicação clínica permanece longo, mas este estudo fornece um novo mapa, uma cartografia dinâmica dos desvios iniciais da doença. Abre-se, assim, uma janela de oportunidade terapêutica potencialmente mais alargada, assente na correção precoce da função das redes neuronais, antes que os défices se tornem irreversíveis.

Referências bibliográficas:
VIB. “New imaging study shows how brains go off-track in rare childhood disorder”. 31 out 2025.

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