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Um sobressalto percorre as famílias norte-americanas enquanto assistem ao esboroar de uma rede de segurança que tornava os seguros de saúde suportáveis. A iminente expiração, no final deste ano, dos apoios financeiros associados ao Affordable Care Act, conhecido por Obamacare, deixou milhões a calcular como conseguirão pagar contas que, nalguns casos, mais do que duplicam.
“Saí para chorar na minha varanda”, partilhou Rachel Mosley, professora na Flórida, após descobrir que a prestação mensal do seguro de saúde para a sua família de sete elementos irá saltar de 1.400 para quase 4.000 dólares no próximo ano. O valor representa um terço do rendimento do seu agregado. “Realmente não vejo como poderíamos pagar isto”, confessou, com a voz a falhar.
A situação de Mosley espelha a de mais de 20 milhões de pessoas, maioritariamente da classe média, que beneficiavam destes subsídios. O cerne do problema reside num impasse político em Washington. A extensão dos apoios, reforçados durante a pandemia, tornou-se um pomo de discórdia no debate orçamental que paralisa a administração federal há um mês. Os republicanos, alinhados com Donald Trump, recusam-se, por agora, a negociar a sua manutenção.
Com o início do período de inscrições a 1 de novembro, o pânico instalou-se à medida que as simulações das novas prestações chegam às famílias. “Isto deixa-me louca”, desabafa Audrey Horn, uma reformada do Nebraska. Atualmente totalmente coberta pelo Estado, vê a sua contribuição mensal subir de 1.740 para mais de 2.430 dólares. “Observo as nossas contas ao cêntimo”, afirma, explicando que ela e o marido, assalariado de uma pequena empresa de construção, não têm margem para tal aumento. “Vivemos numa casa muito pequena. Conduzimos carros muito velhos”, justifica.
O programa Obamacare foi concebido para colmatar o fosso entre os custos exorbitantes da saúde nos EUA e a capacidade financeira das pessoas, explica Mark Shepard, economista de saúde na Universidade de Harvard. Sem os subsídios, o choque é inevitável. Dados do think tank KFF indicam que uma pessoa a pagar o prémio médio de 888 dólares em 2025 poderá enfrentar uma fatura de 1.906 dólares em 2026.
As consequências deste aumento drástico poderão alastrar-se para lá das finanças familiares. Estima-se que quatro milhões de americanos possam ser forçados a desistir da cobertura, um cenário que Shepard alerta poder aumentar a mortalidade e impor um “encargo para toda a sociedade”. “Quando as pessoas não estão seguradas, acabam por cair mesmo doentes e tendem a apresentar-se nos serviços de urgência, onde acumulam dívidas que podem facilmente ascender a dezenas de milhares de dólares”, explicou o economista. São depois os hospitais e as comunidades locais a absorver esses custos.
Para Rachel Mosley, a questão é profundamente pessoal. No ano passado, sofreu um ataque cardíaco súbito aos 45 anos, um episódio que a colocou à beira da morte. A ideia de ficar sem cobertura é aterradora. “Se eu cancelar o nosso seguro de saúde e tiver de ir ao hospital por um ataque cardíaco ou um AVC, como vou pagar a conta? Realmente não vou conseguir”, questiona.
Desesperada, contactou os senadores republicanos do seu estado, apelando para que reconsiderem a sua posição. Até agora, o silêncio foi a única resposta. Do outro lado da barricada política, Claire Hartley, proprietária de um estúdio de yoga na Califórnia, pressiona os seus representantes democratas para que não cedam. “Quanto mais as pessoas souberem os motivos pelos quais os preços são tão elevados, maiores serão as chances de que isso mude”, espera. Para ela, a contribuição poderá duplicar a 1 de janeiro, uma perspetiva que transforma o futuro num exercício de pura incerteza.
NR/HN/Lusa



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