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Num movimento que está a gerar perplexidade entre analistas, o Governo planeia cortar mais de 200 milhões de euros na despesa com medicamentos e material de consumo clínico no próximo ano. A previsão consta da nota explicativa do Orçamento do Estado para 2026, que a Lusa consultou, e aponta para uma quebra de 6% nestas rubricas.
O documento admite que o consumo destes produtos no Serviço Nacional de Saúde tem crescido, puxado pelo aumento da atividade cirúrgica, pelo envelhecimento demográfico e pela incorporação de terapias inovadoras em áreas como a oncologia. Apesar deste contexto, a proposta orçamental insiste numa redução global de 136 milhões em bens e serviços.
Contactado pela agência Lusa, o economista da saúde Pedro Pita Barros mostrou-se incapaz de destrinçar como se compatibiliza o corte previsto com a pressão crescente sobre o sistema. “Significa que só é compatível ter esse corte com aumento de atividade e aumento de utilização de medicamentos e outras coisas, se houver uma redução dos preços aos quais compram”, afirmou. Na sua leitura, para gastar menos a consumir mais, o preço terá de baixar de forma a compensar totalmente o acréscimo de volume.
Pita Barros especula que uma fatia das poupanças poderá resultar da transferência de despesas com tarefeiros para a rubrica de pessoal, que regista um aumento de 717,8 milhões de euros. Mesmo assim, considera “duvidoso” que esta manobra justifique por si só a compressão de 10%. “É preciso depois explicar como é que esperam ter menores preços médios no que consomem. Ou tenho preços mais baixos, ou mudo para medicamentos mais baratos”, desafiou.
O especialista não escondeu o seu cepticismo sobre a exequibilidade da proposta, deixando no ar a suspeita de que se tratou de uma decisão algo arbitrária. “O palpite que fica sempre é que foi decidido de uma forma arbitrária, que era bom ter esta poupança, mas depois logo se vê como é que a vamos alcançar”, ironizou. A sua apreensão estende-se à distribuição interna do orçamento pelo SNS, temendo que se repita o velho problema da suborçamentação se a base de cálculo for a despesa prevista e não a efetiva.
A nota explicativa do OE2026 estima que a receita global do SNS aumente 6,2% no próximo ano, um crescimento essencialmente sustentado por transferências do Orçamento de Estado. Estas deverão crescer 3,2% face à execução estimada para 2025. Já as despesas com pessoal estão projetadas para subir 5,2%, um acréscimo de 375 milhões de euros.
Pedro Pita Barros confessou ainda não perceber a origem de 1.289,5 milhões de euros de receitas próprias previstas. “Creio que a única coisa que podemos assumir é que receitas próprias vão ser transferências que vão ter que ser feitas pelo Ministério das Finanças, as injeções habituais de capital”, conjecturou, deixando transparecer uma certa descrença na solidez dos números apresentados.
NR/HN/Lusa



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