Processos por consumo de drogas: maioria resulta em medidas não punitivas

3 de Novembro 2025

As Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência efetuaram 5.794 audições no ano de 2024. A grande maioria, 4.677, diz respeito a processos instaurados no próprio ano, segundo dados do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências.

As Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência (CDT) levaram a cabo 5.794 audições ao longo de 2024, um número que espelha a atividade constante destas estruturas no terreno. Do total, 4.677 audiências emergiram de processos abertos no próprio ano, um sinal do esforço para uma resposta mais imediata aos novos casos que vão surgindo. Quase todas, 96%, foram conduzidas de forma autónoma pelas comissões, sem necessidade de recurso a outras entidades.

Os dados, compilados no Relatório de avaliação da atividade processual das CDT do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD), mostram que 89% dos processos instaurados em 2024 já viram diligências serem realizadas. Desses, 61% encontram-se arquivados, deixando uma pendência de apenas 11%, um fôlego considerável face ao que se verificava no período anterior. As restantes 1.117 audições digladiaram-se com processos que já vinham de trás, arrastados de anos anteriores.

O retrato que o documento traça é o de uma justiça que prefere evitar a sanção pura e dura. A esmagadora maioria das deliberações assumiu um caráter suspensivo, optando-se por medidas que se pretendem ajustadas à realidade de cada consumidor. Em vez de multas, impõem-se apresentações periódicas num local designado ou encaminhamentos para uma rede de apoio técnico especializado. Esta parece ser a tónica dominante para situações onde não está diagnosticada uma dependência.

No que toca à origem dos processos, as autoridades policiais mantêm o seu lugar cimeiro. A GNR foi responsável por 44% das sinalizações e a PSP por 18%. Contudo, as autoridades judiciais ganharam um novo fôlego, contribuindo com 38% dos casos, um aumento que o relatório associa, sem grande surpresa, a ajustes recentes no quadro legal.

O perfil do indiciado médio pouco se alterou: homem, jovem, com idades entre os 16 e os 29 anos, solteiro e com um nível de escolaridade que não vai além do secundário ou do terceiro ciclo. A novidade, se é que se pode chamar assim, reside num ligeiro inchaço na faixa etária acima dos 30 anos, um dado que poderá sugerir mudanças subtis nos hábitos de consumo. A verdade é que 73% dos pessoas ouvidas são consideradas consumidores não dependentes, um indicador que parece confirmar a aposta na intervenção precoce junto de populações mais novas.

O emprego regular abrange cerca de metade dos 10.211 indiciados, enquanto os outros se repartem entre desempregados e estudantes. É precisamente entre estes últimos que se regista uma quebra mais nítida, um dado que merecerá certamente alguma reflexão. No âmbito dos encaminhamentos, que continuam a ser peça-chave, 90% das intervenções técnicas conseguiram direcionar os indiciados para serviços especializados na área dos comportamentos aditivos, assegurando-lhes uma certa continuidade de cuidados.

O ICAD não esconde uma certa satisfação ao ler estes números, sublinhando que 2024 veio consolidar a “maturidade do modelo português” de dissuasão. Um modelo que se quer qualificado, centrado na pessoa e teimosamente orientado por critérios técnicos e humanistas, numa lógica de promoção da reinserção e da saúde pública. O relatório aponta ainda para um recuo nos processos envolvendo heroína, que caíram 31%, e cocaína, com uma descida de 15%, espelhando talvez um panorama de consumo em transformação.

NR/HN/Lusa

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