Rita Nortadas: “A abordagem da diabetes tipo 2 tem de ser multifatorial”

11/05/2025
No âmbito do congresso “Diabetes: Cuidar Hoje para Proteger o Amanhã”, a Healthnews conversou com a Dra. Rita Nortadas, especialista em Medicina Interna na APDP. Nesta entrevista exclusiva, a médica sublinha a urgência de uma ação presente, destaca os tópicos clínicos mais inovadores e explica como a tecnologia e uma abordagem social holística são determinantes […]

No âmbito do congresso “Diabetes: Cuidar Hoje para Proteger o Amanhã”, a Healthnews conversou com a Dra. Rita Nortadas, especialista em Medicina Interna na APDP. Nesta entrevista exclusiva, a médica sublinha a urgência de uma ação presente, destaca os tópicos clínicos mais inovadores e explica como a tecnologia e uma abordagem social holística são determinantes para travar uma das doenças que mais desafia a saúde pública em Portugal

 

HN – Começando pelo evento em si, que tem como tema “Diabetes: Cuidar Hoje para Proteger o Amanhã”. O que se pretende alcançar com esta edição do congresso e qual a sua principal importância para os profissionais de saúde?

Rita Nortadas (RN) – O tema “Diabetes: Cuidar Hoje para Proteger o Amanhã” reflete a urgência e a importância da ação presente na gestão da diabetes. Com este congresso, pretendemos reforçar a mensagem de que as intervenções atempadas e a educação contínua são fundamentais não só para a gestão da doença, mas também para a prevenção das suas complicações a longo prazo. Para os profissionais de saúde, este evento é uma oportunidade crucial para a atualização de conhecimentos, a partilha de experiências e o alinhamento de estratégias que nos permitirão, coletivamente, oferecer um cuidado mais eficaz e proteger o futuro dos nossos utentes.

HN – O programa é bastante vasto. Do ponto de vista estritamente clínico, quais são considerados os momentos ou tópicos mais relevantes e inovadores para os profissionais que ali estarão? Haverá algum assunto que representa uma mudança significativa na prática clínica diária?

RN – Do ponto de vista clínico, destacaria as sessões sobre as novas abordagens terapêuticas e a medicina de precisão na diabetes. Estamos a assistir a uma evolução notável no tratamento, com fármacos que oferecem benefícios que vão além do controlo glicémico, impactando positivamente o risco cardiovascular e a progressão da doença renal. Além disso, a discussão sobre a implementação de novas tecnologias, como os sistemas de monitorização contínua da glicose e as bombas de insulina inteligentes, bem como a transformação digital dos serviços de saúde, representa uma mudança significativa na prática clínica diária, permitindo uma personalização do tratamento e uma melhoria substancial da qualidade de vida das pessoas com diabetes.

HN – Uma das sessões destacadas é a “Além-Fronteiras”, que aborda a prevenção da diabetes em contexto comunitário. Porque foi considerado crucial trazer esta visão internacional e com este foco específico para o debate em Portugal?

RN – A diabetes é um desafio global e, como tal, a partilha de conhecimento e de experiências entre países é fundamental. A sessão “Além-Fronteiras” foi pensada para trazer para Portugal exemplos de sucesso de programas de prevenção implementados em contexto comunitário noutras partes do mundo. Acreditamos que, ao aprender com as melhores práticas internacionais, podemos adaptar e implementar estratégias mais eficazes a nível nacional, envolvendo a comunidade e os cuidados de saúde primários na linha da frente da prevenção da diabetes.

HN – Para além da vertente clínica, o congresso dedica uma mesa-redonda à abordagem social da doença. De que forma é que esta dimensão — que inclui o acesso a cuidados e a literacia — é determinante para o sucesso do tratamento e para a qualidade de vida da pessoa com diabetes?

RN – A abordagem social da diabetes é absolutamente determinante. O sucesso do tratamento não depende apenas da prescrição clínica, mas também do acesso equitativo a cuidados de saúde, a medicamentos e a tecnologias inovadoras. A literacia em saúde é outro pilar essencial: uma pessoa com diabetes informada e capacitada é um parceiro ativo na gestão da sua doença. Esta mesa-redonda visa precisamente sublinhar que, para cuidarmos hoje e protegermos o amanhã, temos de olhar para a pessoa com diabetes de uma forma holística, considerando o seu contexto social e económico.

HN – Fazendo um ponto de situação, como se caracteriza o estado atual da diabetes em Portugal? Estamos a conseguir conter a sua progressão ou continuamos perante um dos maiores desafios de saúde pública? E onde residem, atualmente, as maiores lacunas nos cuidados prestados?

RN – Apesar dos esforços e dos avanços no tratamento, a diabetes continua a ser um dos maiores desafios de saúde pública em Portugal. A prevalência da diabetes continua a aumentar, muito associada ao envelhecimento da população e aos estilos de vida. As maiores lacunas residem, a meu ver, na prevenção e no diagnóstico precoce. Precisamos de reforçar as estratégias de rastreio e de intervenção nos cuidados de saúde primários e de garantir que todas as pessoas com diabetes tenham acesso a uma equipa de saúde multidisciplinar e a educação terapêutica.

HN – Dois temas em grande foco são a obesidade e o risco cardiovascular. Qual é considerada a mensagem mais importante que os clínicos devem reter sobre a intrincada ligação entre estes fatores e a diabetes?

RN – A mensagem mais importante é que a abordagem da pessoa com diabetes tipo 2 tem de ser multifatorial. Não podemos tratar a hiperglicemia de forma isolada. A gestão da obesidade e a redução do risco cardiovascular são componentes indissociáveis do tratamento da diabetes. Os clínicos devem reter que, ao escolhermos uma terapêutica, devemos considerar o seu impacto no peso, na pressão arterial, nos lípidos e, em última análise, na prevenção de eventos cardiovasculares, que são a principal causa de mortalidade nesta população.

HN – Por fim, tópicos como a vivência com bombas de insulina refletem a evolução tecnológica. Na prática clínica, que impacto real tem tido esta inovação na qualidade de vida das pessoas e na prevenção de complicações de longo prazo, como o pé diabético?

RN – A tecnologia tem tido um impacto transformador. As bombas de insulina, especialmente quando associadas a sistemas de monitorização contínua da glicose, permitem um controlo glicémico muito mais preciso e seguro, reduzindo o risco de hipoglicemias e de hiperglicemias. Isto traduz-se numa melhoria significativa da qualidade de vida, com mais liberdade e flexibilidade no dia a dia. A longo prazo, um melhor controlo glicémico é a chave para a prevenção de complicações crónicas, como a retinopatia, a nefropatia e, claro, o pé diabético. A tecnologia é, sem dúvida, uma das nossas mais valiosas aliadas para “proteger o amanhã”.

Entrevista MMM

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