A saúde e, consequentemente, as doenças sempre foram temas de interesse público, mas nunca como nos últimos dois anos dominaram o debate social e mediático.
Na mensagem divulgada sobre o Dia Mundial do Doente, que se assinala na sexta-feira, o Papa Francisco apelou à universalidade dos cuidados médicos, recordando que “o doente é sempre mais importante do que a sua doença”.
A propósito da data, instituída há 30 anos pelo Papa João Paulo II, para sensibilizar profissionais e autoridades de saúde para a importância de apoiar os doentes, a Lusa foi ouvir especialistas sobre as conquistas e as dificuldades das associações que os representam.
A contabilidade não é fácil, desde logo porque as associações podem estar registadas quer junto do regulador – o Infarmed-, quer junto da Direção-Geral da Saúde (DGS) – bem como em ambas ou em nenhuma.
Até 04 de fevereiro último, estavam registadas no Projeto Incluir, do Infarmed, 107 associações de doentes.
Esta iniciativa decorreu do “reconhecimento da importância do envolvimento das pessoas portadoras de doença e seus representantes na tomada de decisão em saúde, bem como do contributo que podem prestar, através da partilha de experiências de vida”, lê-se na página oficial do Infarmed.
Em concreto, as associações são chamadas a pronunciar-se sobre tecnologias de saúde e novos medicamentos.
Mas o número baixa significativamente no Registo de Associações de Defesa dos Utentes de Saúde, da DGS, onde constam apenas 28 entidades diferentes (algumas das quais inscritas também no Infarmed). Este registo vai a despacho do Governo, que aprovou a última entrada já em janeiro deste ano.
As mais antigas associações estão no registo desde 2011, entre elas a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), uma das primeiras associações de doentes em Portugal, criada em 1926, e a primeira no mundo a agregar quem sofre de diabetes.
À Lusa, o seu presidente, José Manuel Boavida, referiu um “historial de altos e baixos”, com “grandes vitórias”, que incluem revogação de decisões do Governo pelo parlamento.
“Se não fosse a associação não havia comparticipação a 100% de insulina, tiras de glicemia, sensores”, lista, destacando que “Portugal tem um apoio bastante generoso aos diabéticos, se comparado com outros países, mesmo da Europa”.
Com 150 funcionários (não todos a tempo inteiro), a APDP tem uma dimensão considerável para defender os interesses dos 1,5 milhões de diabéticos em Portugal e suas famílias.
José Manuel Boavida tem passado os últimos dias em reuniões com o Ministério da Saúde e a DGS para discutir medidas e planos. “Somos ouvidos, mas às vezes é preciso sair para a rua, como foi o caso durante a pandemia, em que os diabéticos foram discriminados, por serem muitos e caros”, lembra, referindo-se ao estatuto de risco especial com direito ao teletrabalho.
Margarida Santos, uma das fundadoras da iniciativa Mais Participação Melhor Saúde em 2015, reconhece que, até há uns anos, “as associações de doentes efetivamente não eram encaradas como atores e parceiros na política de saúde”, mas nota que “o Ministério da Saúde foi ficando cada vez mais sensível” ao seu contributo.
“Não subscrevemos a forma como tudo tem sido feito, mas há uma mudança, uma preocupação muito maior nos últimos anos em garantir que as associações são trazidas ao debate político”, assinala, concordando que a “proliferação” de organizações e a ausência de uma federação dificultam a visibilidade pública e mediática.
Ainda assim, e recordando que a Mais Participação Melhor Saúde foi criada para aproximar os doentes das entidades que tomam decisões, Margarida Santos fala num “movimento imparável” das associações de doentes como “parceiros absolutamente determinantes”.
O ponto alto da iniciativa é a Carta para a Participação Pública em Saúde, subscrita por uma centena de organizações e que foi adotada pelo parlamento em setembro de 2019, estando, no entanto, por regulamentar pelo Governo.
“A aprovação da carta, como lei, foi uma pedrada no charco. Foi um trabalho de anos”, que começou em 2016 e “demorou muito tempo, até reunir quatro mil assinaturas”, lembra a coordenadora da iniciativa.
Rosário Zincke, presidente da Plataforma Saúde em Diálogo, que existe há duas décadas e junta atualmente 57 associações de doentes, de promotores, de profissionais e consumidores da saúde, concorda que a Carta é “um marco muito importante”, porque nasceu do movimento associativo e passou a diploma legal.
Importa agora regulamentá-la, corrobora, notando que as associações fazem “um trabalho discreto e de bastidores”, que ao longo dos anos foi “conseguindo algumas coisas”.
Para a responsável, é preciso “olhar para o puzzle um bocadinho disperso” da legislação sobre os direitos e deveres dos doentes e “tentar consolidar aquilo que já existe”.
Não vendo inconveniente na proliferação de associações, que considera “inevitável”, pois “é natural que as pessoas com interesses comuns muito específicos se organizem”, Rosário Zincke considera que as associações de doentes em Portugal “atingiram uma maturidade razoável” e “já perceberam que às vezes é necessário eleger um interlocutor e “encontrar pontos comuns, assuntos que sejam transversais”.
Isso “tem estado a acontecer cada vez mais”, assinala, sublinhando que um interlocutor comum não é, nem poderia ser, um interlocutor único.
LUSA/HN
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