Page 15 - Healthnews - Especial Eleições 2024
P. 15
30 ENTREVISTA
e técnico, mas é possível, com a dotação para a saúde nele incluído e com outras opções políticas, avançar já na próxima sessão legislativa com algumas medidas.
O PCP tem apresentado propostas concretas de investimento no SNS ao longo dos anos – ainda em 2019 apresentou um programa de aquisição de equipamentos pesados, que foi recusado pelo Governo do PS e que previa, ao longo da legislatura, melhorar e muito a prestação de cuidados.
HN – Dedicam parte do programa eleitoral à organização e direção das unidades de saúde. Comecemos pela última. Quais são as maiores fragilidades da gestão em Portugal e que medidas defendem nesse âmbito?
JP – Como temos afirmado, é fundamental garantir a gestão democrática das unidades públicas de saúde, através de procedimento concursal para
o presidente do conselho de administração dos hospitais e do diretor executivo dos ACES, e por eleição de entre os profissionais de saúde de cada carreira para os demais membros de administração e de gestão clínica. Não podemos ter, como acontece em muitas situações, ao mais alto
nível de direção pessoas escolhidas pelo cartão partidário e alguns que estão no serviço público como se estivessem no setor privado.
A criação de centros hospitalares EPE, cobrindo hoje todo o país, “na lógica de conseguir
sinergias na gestão de recursos humanos e materiais, aproveitando de forma mais racional as capacidades disponíveis”, permitiu que os gestores reduzissem e encerrassem serviços, o que levou ao encerramento de centenas de camas. Uma substituição de regime que apenas serviu para retirar direitos aos trabalhadores da saúde e para servir uma política que visa criar o mercado da saúde, no qual os hospitais EPE são parceria de negócio.
Também a existência de cuidados de saúde primários a duas velocidades e a constituição
de ACES, muitos deles de grande dimensão, aumentam claramente as dificuldades de gestão e por isso devem ser revogadas.
O PCP defende a criação dos Sistemas Locais de Saúde, a generalização das USF, entre outras medidas.
HN – Quais são as principais medidas para os cuidados de saúde primários e, depois, para os cuidados hospitalares, relembrando os mais de 1,7 milhões de portugueses sem médico de família e o caos nas urgências hospitalares?
JP – Tal como é referido no programa eleitoral,
a contratação dos médicos de Medicina Geral
e Familiar, bem como a contratação de mais enfermeiros e outros técnicos de saúde, para os CSP, é a principal medida a ser tomada. Admitimos a contratação de médicos de outros países para suprir a falta de médicos portugueses, numa solução temporária e nas condições iguais à dos médicos portugueses.
Na relação entre os CSP e os cuidados hospitalares, a pirâmide está invertida, ou seja, quando 60/70% dos episódios de saúde deviam ser resolvidos nos CSP e os restantes nos hospitais, hoje acontece exatamente o contrário: primeira causa do excessivo número de urgências desnecessárias.
HN – Como é que vão reduzir as listas de espera para consultas e cirurgias, uma das maiores preocupações dos portugueses?
JP – Com a contratação de mais profissionais; abrir a formação da especialidade a mais jovens médicos e dotando os hospitais do SNS dos equipamentos necessários.
HN – Os cuidados continuados e paliativos poderão finalmente chegar a todos os portugueses que necessitam? O que é que
propõem nesta área?
JP – Sim, poderão chegar, desde que seja
implementada uma solução que passe por alargar a resposta pública em cuidados continuados e paliativos, garantindo a resposta às necessidades em todo o território nacional.
HN – O que é que farão pelos cuidadores informais?
JP – Para o PCP as medidas necessárias a um efetivo reconhecimento do papel do cuidador informal devem assentar em políticas que promovam uma estratégia de desenvolvimento e consolidação da resposta dos serviços públicos, designadamente dos cuidados de saúde primários, hospitalares e continuados integrados e a concretização de uma rede pública de qualidade de apoio às famílias, às crianças e idosos e às pessoas com deficiência.
HN – Qual o papel, se é que existe, que atribuem ao setor privado na prestação de cuidados de saúde à população? E do setor social?
JP – O papel do setor privado e do setor social, na prestação de cuidados de saúde, é supletivo do SNS. O Estado só deve recorrer ao setor privado nas situações em que não consiga garantir as necessidades de saúde dos portugueses. Fazê-lo de forma temporária, até que o serviço público concretize as medidas que permitam cobrir essas necessidades.
HN – A “libertação do País da submissão ao Euro e das imposições e constrangimentos da EU” é uma das vossas lutas. Qual seria o impacto desse afastamento na saúde?
JP – Os impactos serão positivos, pois vão permitir ao Estado português fazer os investimentos necessários, sem que esteja sujeito aos constrangimentos colocados pela UE. Estes constrangimentos estiveram muito presentes
durante a pandemia e o processo de aquisição das vacinas.
HN – Será a prevenção uma das vossas prioridades? Portugal continuará a ter, como lamentam vários especialistas, um “serviço nacional de doença”?
JP – A denominação não é justa. O que existe, de facto, é o negócio da doença como consequência da desvalorização a que tem sido sujeito o SNS, por sucessivos governos, cujo objetivo é transferir para o setor privado uma parte significativa da prestação de cuidados de saúde. Privados que não investem um cêntimo na prevenção e na promoção da saúde, apenas no tratamento, transformando a sua atividade num negócio. Durante a pandemia, alguns fecharam instalações, ou colocaram como questão fundamental saber quanto o Estado pagava, para depois decidirem aceitar ou não pessoas infetadas com o vírus.
A única garantia de chegar a todos os que necessitam de prestação de cuidados de saúde é reforçar o SNS público, universal, geral e gratuito.
HN – Corremos realmente o risco de perder o Serviço Nacional de Saúde? Se sim, é possível inverter o cenário na próxima legislatura?
JP – Em Portugal, existe força suficiente para defender o SNS, apesar da ofensiva a que tem
sido sujeito. A direita, em muitas situações com
o apoio do PS, tem um projeto político que passa pela criação de um sistema de saúde a duas velocidades: um serviço público desvalorizado a funcionar em mínimos para os mais pobres e outro recorrendo a privados e aos seguros de saúde.
Entrevista de Rita Antunes