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34 ENTREVISTA
HN – Como é que o Bloco pensa que será possível reter especialistas no SNS? Eu diria que este ponto se liga a um outro do vosso programa:
a revisão de todas as carreiras e posições remuneratórias e exclusividade a sério.
BM – O problema tem sido debatido ao longo
dos últimos anos e a solução também. A solução está apresentada, o problema é que nunca foi posta em prática. Fixar profissionais de saúde no SNS significa valorizar as suas carreiras, e para
isso é preciso que um Governo se sente à mesa
da negociação com os sindicatos com seriedade
e com vontade de salvar o Serviço Nacional de Saúde, valorizando a carreira dos profissionais. É possível valorizar os salários e valorizar a carreira. É preciso, obviamente, que os salários sejam valorizados, mas também é importante reconhecer que as pessoas já não querem ser escravas do trabalho e, portanto, precisam de tempo. Mas também aquilo que eu dizia há pouco, valorizar a parte científica e a parte letiva.
O Bloco pegou nos médicos, que é aquilo que
tem sido mais debatido nos últimos tempos, para mostrar que é possível fazê-lo. E aquilo que o Bloco diz no programa é que, com os profissionais que temos neste momento, se lhes oferecermos um contrato de exclusividade majorado a 40%,
e admitindo que 60% (uma estimativa por cima) querem estar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde, isso fica em 500 milhões de euros. O excedente orçamental nos últimos dois anos é superior a 4 mil milhões de euros, portanto há capacidade financeira do Estado para fazer isto
– é preciso vontade política. Para além disso, se nós tivermos 60% dos profissionais de saúde em exclusividade no SNS, vamos reduzir a necessidade de tarefeiros, e isso custa mais 100 milhões de euros todos os anos, e também vamos reduzir
a necessidade de horas extraordinárias, que custam mais de 300 milhões de euros. Portanto,
há capacidade orçamental, há enquadramento orçamental; é preciso querer que a exclusividade
seja uma estratégia para salvar o Serviço Nacional de Saúde.
HN – É possível fazer uma revisão de todas as carreiras e posições remuneratórias a curto prazo, nos próximos anos de governação?
BM – Há coisas que precisamos de fazer já. Por exemplo – vou voltar à exclusividade –, a proposta do Bloco é que ela seja faseada: no primeiro
ano de exclusividade só 30% e depois passa
para os 40%. Na revisão das restantes carreiras isto também é possível; é possível pensar em faseamento de todas estas medidas. O que é preciso é fazer alguma coisa já e ter um plano para o futuro porque é isso que permite fixar médicos, é a expectativa de que vai haver uma carreira
no Serviço Nacional de Saúde que as pessoas querem e que as satisfaz. Os profissionais de
saúde precisam de um plano de futuro, seja mais ou menos faseado, em termos de salários. O que interessa é que se faça já alguma coisa para dar um sinal de que há expectativas que vão ser satisfeitas a curto prazo.
HN – Lançam o desafio de ter todas as consultas e cirurgias a tempo e horas. Como é que isso é possível?
BM – Só contratando mais profissionais. Mais uma vez, não há soluções milagrosas. A direita vem
a estas eleições dizer aquilo que sempre disse: queremos dar mais cheques às nossas clientelas no privado. É isso que eles fazem, cheques-cirurgia, cheques-dentista para toda a gente. Aquela solução não é da direita, não é nova, está em prática e não é suficiente para acabar com as listas de espera. Aliás, o cheque-cirurgia é recusado
por mais de 80% dos utentes – preferem ficar em lista de espera com o seu médico do que serem enviados para um privado num outro ponto do país com um médico que não conhecem. Portanto, aquela solução não tem cabimento nenhum.
Não há milagres. Só contratando mais profissionais de saúde. Por isso é que nós propomos, por exemplo, a contratação de 2000 novos médicos para o Serviço Nacional de Saúde, com certas condições de carreira e a abertura negocial com os sindicatos, obviamente, porque senão o concurso fica deserto. Eu falo dos médicos porque eu sou médico. Isso fica a 100 milhões de euros por ano. Mais uma vez, 100 milhões de euros em 4 mil milhões de euros é inferior a 10%; portanto, são escolhas políticas, escolhas sobre o que fazer com o que sobra do exercício orçamental. Fernando Medina preferiu fazer um brilharete em Bruxelas, reduzir a dívida para baixo de 100%; aquilo que nós dizemos é que é possível um caminho em que se reduza menos a dívida, em que o excedente orçamental seja menor, em que os juros da dívida vão descendo mas mais lentamente, respeitando aquele que neste momento está em crise, que é o Estado Social, nomeadamente a saúde.
HN – Também abordam no vosso programa a comparticipação de medicamentos e produtos essenciais. Peço-lhe que juntemos este ponto
às medidas que propõe para que o país não
fique “refém da indústria farmacêutica”, em que destaco o investimento no Laboratório Nacional do Medicamento. Gostaria que nos dissesse se há aqui novidades ou alterações importantes.
BM – São dois assuntos diferentes. Independentemente da questão das farmacêuticas, os mais idosos (que normalmente são pessoas
com pluripatologia, portanto fazem imensos medicamentos), quando têm baixas pensões, são muitas vezes confrontados com a escolha de ou pagar a casa ou pagar os medicamentos, ou pagar a comida ou pagar os medicamentos. Aquilo que nós propomos é que as pessoas idosas na situação de pluripatologia, com doença crónica, tenham maior comparticipação desses medicamentos – que chegue aos 95%. É uma questão de ajudar o Estado a suportar aqueles que são mais onerados com a despesa em medicamentos.
Depois há uma outra questão. Nós temos visto ao longo dos últimos anos falta de medicamentos em Portugal. Na minha área, faltam antiparkinsónicos, e isto acontece em relação a muitas outras doenças crónicas. Os medicamentos falham porque o mercado português é pequeno e os medicamentos são baratos, porque já perderam
a patente, e, portanto, as farmacêuticas não têm interesse em comercializá-los em Portugal. Aquilo que nós dizemos é muito simples: se o Estado não pode obrigar as farmacêuticas a comercializar em Portugal medicamentos essenciais, então, aquilo que o Estado deveria fazer era investir
em capacidade própria para produzir alguns medicamentos.
Não estamos a propor que o Estado português substitua a indústria farmacêutica toda, mas que
o Estado, através de investimento no laboratório militar ou, até, criando uma nova estrutura, consiga produzir esses medicamentos essenciais em situações de falha. Não só está a fazer um serviço a uma série de doentes crónicos que
não podem ficar sem medicação, como está a
dar um sinal à indústria farmacêutica de que
ou respeita o mercado português, ou seja, os doentes portugueses, e não permite falhas no fornecimento dos seus medicamentos, ou então há aqui uma alternativa que para nós é muito mais barata, que serve na mesma os doentes e que
vai prejudicar a indústria farmacêutica do ponto de vista comercial. Esse é um jogo que o Estado português pode e deve fazer, servindo as pessoas, podendo até poupar custos para o futuro.
HN – Que medidas apresentam para financiar o SNS? Peço especial atenção a uma das vossas propostas: “Revogar o decreto-lei que regula as parcerias de gestão na área da saúde e abre portas a novas parcerias público-privado no SNS, da legislação que permite a privatização dos cuidados de saúde primários através das USF-C e do decreto-lei que cria as novas ULS, que concentra recursos e afasta os serviços