Page 19 - Healthnews - Especial Eleições 2024
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38 ENTREVISTA
profissionais.
Não há nenhum problema com o privado. O Bloco não quer é que o privado continue a crescer,
e cresce como cogumelos, como toda a gente
vê nas suas cidades, à custa da desgraça do Serviço Nacional de Saúde – porque é isso que tem acontecido. Nós queremos que o privado possa fazer a sua atividade em perfeita liberdade económica e concorrência uns com os outros, mas queremos isso em águas separadas: o que
é publico é público, o que é privado é privado. Aquilo que nós propomos é que, da parte da regulamentação do privado, nós saibamos o que
é que os privados fazem, porque isto acontece
em quase todas as atividades económicas. Nós precisamos de saber os números deles, precisamos de saber qual é a eficiência e eficácia daquilo
que fazem. Nós precisamos de saber se eles têm mais ou menos taxas de complicações do que o público e entre eles. Esses dados precisam de ser conhecidos, até para dar liberdade às pessoas para poderem escolher corretamente, com a informação toda, qual é o serviço que querem contratualizar.
O Serviço Nacional de Saúde, hoje em dia, publica praticamente todos os seus resultados. É evidente que faltam imensos dados do SNS, mas aqueles que é possível coletar e publicar estão no Portal da Transparência, com todas as falhas que existem. Nós exigimos que o privado também o faça para que nós saibamos exatamente o que é que se passa e para que o SNS possa saber que tipo de investimentos é que precisa de fazer em termos de planeamento para o futuro, recursos humanos, etc. É isso que defendemos, clareza e transparência na atividade do privado, exigindo ao mesmo tempo clareza e transparência da parte do SNS.
HN – Cuidados continuados e paliativos são uma grande fragilidade em Portugal. Qual é a proposta do Bloco para inverter o cenário?
BM – Eu incluo isso na questão do Serviço Nacional de Cuidados, que é a proposta do Bloco: a criação de um Serviço Nacional de Cuidados. Isto significa ter estruturas públicas para prestarem cuidados
na infância, na velhice, na dependência e na doença crónica. Aquilo que nós temos hoje é um serviço prestado à custa dos privados ou do setor social, que está restrito a quem pode pagar – a maioria não tem acesso aos cuidados paliativos e aos cuidados continuados. Nós reconhecemos a importância do setor social, que tem uma grande experiência nesta área, mas não chega para todos. E nós não podemos estender o setor social porque o setor social existe onde é possível existir.
Por isso é que nós queremos uma rede pública
de lares, uma rede pública de cuidados paliativos e continuados e uma rede pública de creches, porque aí há uma obrigação do Estado de chegar
a todo o lado e a toda a gente, obrigação que o setor social não tem. Portanto, respeitando o setor social, defendendo que o Estado deve colaborar com o setor social na prestação desses cuidados, temos que ir mais além: temos que criar uma rede pública, que pode integrar esses cuidados da rede social, mas tem uma outra função, que é chegar
a toda a gente sem discriminação, geográfica, por exemplo, mas, sobretudo, económico-social.
HN – Querem acabar com a institucionalização das pessoas com deficiência como uma resposta quase imediata e habitual. Quais são os objetivos do Bloco relativamente a este grupo?
BM – Nós temos muitas pessoas com deficiência e incapacidade que são institucionalizadas e
não precisavam de o ser. Mais uma vez, a nossa proposta é a rede nacional de cuidados; investir em soluções que permitissem a autonomia dessas pessoas, como por exemplo assistentes pessoais. As pessoas com deficiência podem viver melhor, sobreviver autonomamente recorrendo
a assistentes pessoais, mas não há assistentes ou há muito poucos. Aquilo que o Estado tem que
fazer é, com o objetivo da autonomização e da desinstitucionalização, promover essas respostas sociais, que passam por várias coisas, obviamente: assistentes pessoais, mas também muitas outras coisas a nível de políticas de emprego que sejam inclusivas, envolve restruturação das cidades do ponto de vista arquitetónico. Há todo um conjunto de coisas que precisamos de fazer para apostar nesta desinstitucionalização. Esse caminho, fizemo- lo em parte na doença mental; acho que temos
de o fazer também no caso das pessoas que vivem com deficiência física.
HN – Vários especialistas na área da saúde dizem que temos um “serviço nacional da doença”,
não um Serviço Nacional de Saúde. Quais são
as ideias do Bloco para a prevenção da doença? Envolve políticas para a educação e literacia em saúde?
BM – É verdade, nós na prática temos um serviço nacional da doença. Isto também por muita culpa do privado, porque não há mercado suficiente para a medicina da prevenção no setor privado. Há muito interesse na doença, do ponto de vista não só das instituições privadas que prestam cuidados mas também das farmacêuticas, porque é o que
é rentável. Portanto, só do setor público é que pode vir uma política a sério de investimento na prevenção da doença.
Eu diria que há medidas diretas e medidas indiretas. As medidas diretas são o investimento nos cuidados primários de saúde e o investimento na saúde pública. Ou seja, nós precisamos de ter de facto médicos de família para toda a gente, equipas de saúde familiar que cheguem a toda a gente e precisamos de um grande investimento na saúde pública. Quando falamos em saúde pública, falamos também nas escolas, em chegar aos vários setores da sociedade para dinamizar programas de prevenção.
As medidas indiretas são mais complicadas de
explicar. Isso passa por medidas de combate à pobreza, para começar. O Professor Henrique Barros diz, e tem razão, que a pior doença é a pobreza. E nós temos de investir aí. Nós temos
de ter políticas eficazes de combate à pobreza e políticas de emprego. Basta ouvir Pedro Morgado, que é o coordenador da saúde mental da ARS
do Norte: quem tem empregos precários, quem vive em sobressalto, quem não tem segurança laboral tem necessariamente pior saúde mental. E, portanto, ter políticas de estabilidade e de segurança no trabalho, ao mesmo tempo que se tem o direito de desligar do emprego (que
se chama direito de desconexão), direito ao horário de trabalho, direito a recusar fazer horas extraordinárias, para ter uma vida privada saudável: tudo isso faz parte de políticas para
a saúde também, e isso também está no nosso programa.
A política de cuidados é também uma política
de prevenção. Se tivermos o Serviço Nacional
de Cuidados, se tivermos uma boa política de cuidados, vamos estar a prevenir aquilo que é
a doença do cuidador, que é mais um flagelo
que vivemos em Portugal. Nós temos 800 mil cuidadores informais em Portugal. Estas pessoas vivem em riscos para a sua própria saúde brutais, de saúde mental e de saúde física. Tudo isto são políticas que eu chamei de medidas indiretas, mas que na verdade são políticas que apostam
na saúde. Hoje falamos nos determinantes
sociais da saúde. Isso é verdade, mas isso passa por políticas de emprego, passa por políticas de educação, passa por políticas de habitação. Quem não tem direito a uma habitação salubre está em maior risco de saúde. Passa por toda uma série de políticas que investem no bem-estar comum, que previnem a doença, que permitem às pessoas continuar a viver em estado de saúde.
Entrevista de Rita Antunes